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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

O conto de Natal atrasado

Por Fjodor Brzczinski *

Era um presente.

Ulyiana Moryianova chegou à bela e gelada Vladivostoque em dezembro de 1909, com a por si batalhada encomenda; ao filho, o mais velho, um belo presente. A parte do ano mais lhe agradava, gelo por todos os lados, frio pertubador. A saída do aquecido trem rejuvenescia seu bom sangue russo e oriental, filha era da terra. Separada do Dr. Illiytch Partanov Stamburovski, veterinário e renomado pescador de esturjões na Ilha Sakalina, pai de seus dois filhos.

Vivia em Berlin, para onde havia imigrado em 1899, após o divórcio e seu insucesso com pequena loja de peles em Sakalina, enganada por jovem namorado. Assim mesmo acreditava nas relações entre jovens e mulheres maduras. Um segundo acabado porém útil casamento em Berlim com um jovem aventureiro napolitano não permitiu que se desfizesse desta idéia

A família do ex-marido russo possuía bela propriedade ao norte da fria cidade, próxima do mar, onde no mais intenso inverno de Natal se reuniam. Apesar de separados, a deferência das antigas cunhadas, cunhados e sogra com os netos permitia tensa, porém não agressiva convivência com Ulyiana. Seus modos um tanto rústicos, entretanto sinceros, não encantavam a velha senhora, avó de seus filhos. E mais uma vez, mesmo sentindo as boas vindas serem mais geladas que o vento fluía do Pacífico para a casa ao mar, procurou instalar-se por lá, com os pequenos mimos alemães de Natal às cunhadas, à sogra e o gordo presente para seu filho mais velho.

Que adorou quando viu, mostrado pela mãe. E ainda detonou terrível inveja do mais novo, cuja existência perturbara-se por completo, após a imigração da mãe para a Alemanha, proibido de acompanhá-la pelo pai e pelas autoridades do Kaiser. Os dois rapazes, de olhos interessados, encantaram-se pelo presente e sutil disputa iniciou-se, mas ao mais jovem em suas limitações e verificações da impossibilidade de também usufruir, ficou o desejo em aberto. Conformado, aparentemente.

Ulyiana divertia-se com a alegria de seu mais velho (discretamente preferido) e a dádiva. Já se fazia homem, estudante de ciências legais; e desejoso de seguir carreira pública em alguma das corruptas instituições do czar. Passava o dia a manipular o mimo, por todos os cantos, apreciando o que o generoso presente oferecia, variantes permitidas, folguedos sem fim. Quase retorno à adolescência, quando o pai presenteara com leve arma de caça, para irem procurar e atirar em codornizes, nas planícies ao sul.

Ao raiar do novo ano, já 1910, o presente em mãos, algo bêbado, resolveu voltar à casa ao mar, após farta festa em Vladivostoque. Mas a bondosa tia, assim imaginava, há muitos anos em Moscou e também chegada para as comemorações, indicou não os queria por lá, portanto aquilo não seria permitido. Que não era o momento e talvez não tenha compreendido algo tal, não era, como se dizia, de bom tom carregar coisa ganha para a casa de tias ou avós. Mesmo sendo presente da mãe.

Kirill, este o seu nome, ainda às turras com o amadurecimento ao mundo adulto procurou argumentar com a tia ser presente comum, que os outros sobrinhos também haviam trazido os seus e por lá os portavam. Mas a tia foi implacável, aqui-não-meu-querido-sobrinho! Stoi! Niyet

Uliana ofendida ao saber da discreta expulsão, com seus dois filhos e o fatídico presente voltou à cidade, onde mantinha pequeno apartamento e vivia seu primogênito. Modesto, apertado e o presente agora a atrapalhar um tanto, volumoso que era. E este presente, como nas histórias de antão, após poucos dias diante do desconforto resolveu manifestar seu desagrado e, Karyina, este o seu nome (e não era boneca como Pinóquio), recepcionista em Berlim, 27 anos, natural de Moscou, explodiu e disse a Kirill que não agüentava mais aquele lugar ínfimo, estava indo ver a mãe e depois partiria para Berlim. Sua parte como “presente” estava encerrada, em algum favor devido à Ulyiana.

Kirill entristecido mas conformado agradeceu a mãe a ter trazido, como talvez impensado e não solicitado, mas aceito presente, esta mal-educada Karyina, admitia. Era inconveniente pela rústica educação e suspeita ocupação; as tias não agradou, nem a avó. Já os primos e tios nada disseram... São assim os homens.

E solitário retornou pensar em seu futuro como funcionário do czar com seus estudos se alongando.

Trad. H. de Castro & Mello, em noite de insônia.

1 O pequeno quarto ainda existe neste modesto edifício no centro de Vladivostoque.

2 As mulheres moscovitas são mais claras, assim como seus olhos.

3 As de Sakalina são normalmente mais escuras, porém anseiam pela alvura das moscovitas ou até, mais distantes, das exuberantes berlinenses...

4 Os trajes cossacos eram os preferidos do jovem Kirill, em foto de 1909/1910, festa de Ano Novo.

Comentários (clique para comentar)

Caroline von Bastian - 12/01/2010 (15:01)

Afinal fico também sabendo das coisas...picante!

Yvonne - 11/01/2010 (10:01)

Adoro estas histórias russas, de inverno e relações humanas. Nunca havia ouvido falar deste Fjodor. Mas não é ruim, a trama divertida.

- 11/01/2010 (06:01)

fora da casinha, hermó!!!

- 10/01/2010 (10:01)

Ai, ai, nosso pequeno Tchecov...