Hermó

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro & Mello

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Artigo nº 92 - 18/11/2022

Feijoada

Parece-me há certa incerteza sobre a origem de nossa feijoada. Aqui entre nós: preferência, nacional. Imbatível. Todos adoram.

Entre estes o incauto escriba. Porém a tal feijuca é encantadora para ver, comer e fazer. Alguém sempre se arrisca, normalmente sai boa. Alguns as compram enlatadas, por segurança e não fazer feio. Acreditem, também são boas; e pequeno alento de lembranças domésticas. Para viajantes e emigrados.

A que se sobressai é a mineira, aparentemente sendo agora copiada por todos terra afora. Até aqui pela Bahia, donde escrevo, a tradicional, com feijão mulatinho, acaba sendo empurrada para escanteio, com o feijão preto impondo a voz.

Alguns criam variantes regionais, detonando-lhe jilós no caldo, maxixes, quiabos e outros acepipes. Só frango e peixe não acharam o caminho. De fato não combina.

Entretanto a origem é certamente, por estas bandas, portuguesa. Por mais queiramos creditar aos irmãos africanos, trazidos em correntes, a sua criação. Na matança do porco por aquelas bandas ibéricas, o resto de orelhas, focinho, rabo, pés, ossos e até tripas, salgado, ia para a favada e também à feijoada.

Sim existe por lá. Faz sentido acreditar o colonizador tenha trazido o hábito; e o porco, os feijões.

E nós a completamos com farinha de mandioca, banana assada ou até empanada, o feijão preto, a linguiça calabresa dos italianos, o charque dos espanhóis pelas bandas do sul e das Missões, a laranja para cortar a gordura pesada, criatividade mineira, imagino.

Enfim: nosso mais autêntico prato é uma comunhão globalizada, com origens nas humildes vilas portuguesas e desdobramento pela África e Américas. Os cubanos, com seu prato similar, ao qual chamam de moros e cristianos, arroz com feijão preto e carne de porco, sofrendo alguma influência brasileira, espero...

Ao negro, melhor à negra, aquela com o pé na cozinha, a quituteira inegável com talento a patroa não tinha, nem se dava ao luxo ter, penso podemos dar o mérito de ter feito do prato português a nossa maravilha, com já 4 séculos de boa culinária brasileira.

A receita seria esdrúxulo passar, pois as variantes de preparo são tantas, alguns reviram os olhos em revolta gástrica, quando se menciona uma forma alternativa. Desde deixar os feijões de molho em água mineral, as carnes apuradas com trocas de hora em hora do líquido purificador, aos acompanhamentos de farinha, farofa, couve picada, abóbora, costeletas fritas, costelinhas de porco fritas, laranjas (inteiras, picadas), arroz de grão quebrado, inteiro, grudento, soltinho, caipirinhas, cervejas ou, iconoclastas: a zorra da Coca-Cola a acidificar e aliviar o pesos dos mocotós dissolvidos.

Apreciar a danada, após acompanhar a elaboração, é sem dúvida o ápice da alegria gastronômica, nestas nossas regiões coroadas pelo Cruzeiro do Sul.

Somos assim, gostamos de uns feijões.

Na fazenda Água Dôce, em Itajibá, Bahia. Dona Maria mexe a suculenta feijoada preparada por Denise Teixeira em crepitante fogão à lenha.

A roda dos palpiteiros, com seus comentários regados a vil fluido escocês, aguardam a lenta cocção do troço.

Pronto o cozido de feijões, carnes e temperos ainda dormita por um tempo para apurar. Dez horas de preparo, alegria de todos.

Comentários

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Hermó - 07/05/2008 (07:05)

Tupperware, Tuperware, Tauperwery, Tapué... no Nordeste virou Tapué, em todo lugar assim escrevem. A brasilianização dos anglicismos: brake virou breque, stevedoor deu estivador, tupperware já vai para o tapué, arrow-root assimilou-se como araruta, pick-up deu picape; alguns termos ainda resistem, ficam no original: shopping center, off-sale, marketing, brake-light, radar, CPU, off-shore, check-in e outros tantos. Mas os tapués com feijões e quem sabe araruta cozida, se resistirem às brecadas da moça, chegarão com regularidade aí em Clear River...

alex tom - 07/05/2008 (07:05)

que inveja pelos costumes brasileiros enquanto vivo num país de frio....germania....brrrrr...

patricia teixeira - 07/05/2008 (07:05)

lambo as barbatanas daqui do outro lado do atlântico. Sinto saudades, a lembrança é intacta... é coisa muito boa!

JORGE DOS SANTOS - 06/05/2008 (19:05)

Hoje existem vários restaurantes que servem um bacalhau até melhor que o da Ilha do Governador. O tal lugarejo é Barra de Guaratiba e lá estão as senhoras, e não uma senhora, chamadas pelo popularesco de Tias, que fazem os tais frutos como Deus, ou Netuno, os imagina. E não esqueçamos da Sopa Leão Veloso, do Rio Minho, que só poderá ser sorvida em dias de temperatura baixa ou derreteremos de tanto suar antes de deixar o restaurante.

Hermó - 06/05/2008 (16:05)

Não é à toa que os gringos dão às balas os nomes de feijões... Mas interessante a história da D. Neuza, que Deus a tenha. Preciso desapaulistar e ir aí, campeão. Faremos um tour gourmand, desde o cara do magistral bacalhau na Ilha do Governador (esqueci o nome, mas era longe, como dizem os alemães Pahra Kassetten), ao Cabaça Grande em nova localização e quem sabe, um em se não me engano Sepetiba (Pedra de Angaratiba? Garatiba? Existe isto?), de uma senhora, que dizem faz frutos do mar como Deus os imagina.

JORGE DOS SANTOS - 06/05/2008 (15:05)

Há 25 anos, geralmente quando um dos seus filhos aniversariava, D. Neuza, nossa divina cozinheira e posteriormente nossa comadre quando lhe batizamos a filha Lilia, convidava-nos para um almoço de feijoada em plena Favela da Rocinha. Chegávamos cerca das 10:00 horas, parávamos o carro no Largo do Boiadeiro onde um dos seus três outros filhos nos esperava para nos conduzir até sua casa no meio do emaranhado de ruelas e becos da favela. Enquanto esperávamos pelo preparo, bebericávamos uma caipirinha ou uma cervejota e após deliciávamo-nos com a sua magnífica, maravilhosa feijoada, e ali ficávamos até cerca das 22:00 horas, vinil na rádio-vitrola e nós, eu e minha mulher, dançando com as educadas(os) negonas e negões. Finalmente descíamos e encontrávamos o carro absolutamente intocado. Hoje já não podemos desfrutar de tal programa porque a nossa D. Neuza já faleceu, e se não, na feijoada correríamos o risco de encontrar algumas cápsulas perdidas de cal. 7,62, de .45 ou, talvez, até uma granada misturada ao feijão. Na saída, alguns poucos tirinhos nos fariam correr até o carro que, claro, estaria totalmente depenado. Ô RAÇA!

julia - 06/05/2008 (15:05)

hum! que hambre!

B. Picchi - 05/05/2008 (20:05)

Mande tuppwares congelados pra Rio Claro com a raspa do tacho. Será de grande proveito.