Artigo nº 80 - 18/11/2022
Na moda
Vejo aqui foto de bela senhorita, sentada em banco de praça qualquer.
Loira, toda na moda, imagino, da época. O ano: 1951. Acabara de chegar ao Brasil; passeando com o noivo no Rio de Janeiro batem a "chapa"; em pausa a verificar as belezas tropicais da terra, sem antes, excetuado certo período no podre reino da Dinamarca, ter posto os pés fora da sua nativa Alemanha.
Minha mãe.
A foto conheço bem, vejo de tempos em tempos; surge como lembrete da origem, da chegada; e da coragem. Sim, a coragem bastante diferenciada que desenvolveu, em contraste com o que chamar-se-ia normal. Me alongo mais adiante.
Porém, pela primeira vez, atentei aos detalhes na foto.
As luvas escuras. Algo quentes para nossos trópicos, porém a elegância pelo visto requeria algum sacrifício. Por cima de um dos punhos dessas, o relógio. Chique.
Os óculos de sol à la Marilyn Monroe, paradigma das loiras de então, se não me engano. Bem pretos, em borboleta. Brincos a ornar as orelhas pequenas, o cabelo levemente cacheado, preso em um dos lados. Batom, realçando com leve esforço a boca de certo traço amargurado impresso, até hoje presente. A bolsa a imitar couros de cobra; a saia e a sobre-saia (seria isto?) discreta, com estampos (floridos?); a blusa leve, aberta até o ponto certo e decente; mas toque sensual, entretanto; com fino ajuste ao calor carioca.
As adoradas e sempre presentes, no pós-guerra, meias de nylon americanas, em tom escuro. Sapatos, não sei se há modelos já padronizados a descrever os da época: combinado de sandálias com pisantes mais rigorosos dos teutões.
A cabeça elevada, olhando pela frente uma vida com suas realizações “latino-americanas”, após os duríssimos anos em tenra idade pela Europa, na pauleira.
Vinte anos tinha a moça. Hoje 77.
Permanece moça, apesar do peso dos anos. No pensar, nos desejos.
Aos 12 é enviada para uma escola no reino de Hamlet pelos nazistas, sua saída de casa. Retorna, dissolvido o local e fugidos os mestres, só, entre ataques aéreos, aos 13 anos, até à vila nativa, a procurar a mãe. Entretanto já é setor russo com suas péssimas referências no trato com alemães; procuram o setor inglês. Conseguem, em noite e neblina. As escolas reabrem, estuda. A mãe falece, ela 18. O pai soldado desaparecido nos Balcãs, nunca mais deu ares. Já noiva, o futuro marido é transferido ao Brasil. Somente dois anos após lhe permitem casar e ir ao encontro do amado; regras da empresa (!). Por fim o reencontro, muito trabalho, filhos, a viuvez precoce aos 49 e hoje uma vida penso mais tranqüila.
Sem bombas, sem fugas, sem parceiros a perder.
E um pouco menos na moda; não se interessa mais por estes assuntos.
Com razão, somos assim.
Rio de Janeiro, 1951. Não sei o nome do local. Para detalhes melhores, clique sobre a foto e desculpando pela praça com papel no chão, típico dos cariocas...