Hermó

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro & Mello

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Artigo nº 76 - 18/11/2022

O que imaginamos não existe

Sou um homem mais velho; acredito ter vivido aquilo que, talvez, me dê microscópica autoridade (palavra que odeio) de afirmar, em discreto e bom tom: o Deus bondoso que imaginamos não existe.

Blasfêmia? Não me eximo da acusação, hoje sem maiores consequências no que chamamos de parte civilizada do planeta, excluídas as regiões onde a fé complica a mente em demasia, como no Texas ou no Oriente Médio.

Mas fico a pensar sobre a crueldade desta instituição, o Deus, quando modestamente analiso recentes fatos, deste e do século passado.

Observei, amedrontado, em filme a mim enviado pela internet, o ato de decapitação, fria, como se executado em bode de oferendas, de um outro mais velho, como eu, o engenheiro Armstrong, lá pelas bandas de Bagdá, alguns anos atrás. Ao final, os algozes depositam a cabeça da vítima sobre seu próprio corpo, um fútil gesto de arrependimento, imagino.

O motivo político, que seja, é de uma aberração tal, que os próprios executores, em algum escaninho de suas perturbadas mentes, me parecem arrepender-se, no momento em que cobrem os olhos do inocente antes do vil ato.

Por sinal, a lembrar o carrasco da Ana Bolena que, irado, ao verificar que o fitava (penso que com lindos olhos), gritou “Não me olhes!”

Prática comum também entre os nossos violentíssimos assaltantes: “Não olha não, rapaz!” O covarde não sustenta olhares e, sabemos, o criminoso, o carrasco, o terrorista ou outra coisa, no fundo não passam disto. Sem suas armas são damas assustadas.

E daí a prova, que aquela Criatura ou Instituição, ou seja lá o Que for, que adoramos em nossas preces quase sempre um tanto inúteis, em templos caros construídos com a suada prata dos fiéis irmãos, não é de infindável bondade, justiça e nem nos acolhe em seus eternos braços e abraços, no imaginário céu de nuvens, anjos e harpas.

Nem ao menos coibiu a violência contra aquele que chamar-se-ia de Seu Filho, o venerado Cristo. Este sim, Sujeito merecedor de nosso maior respeito, pois pregado à cruz, em tortura terrível, ainda mostrou grandeza a pedir ao alegado Pai perdoar a turma que O maltratava.

Se nos envia depois criaturas como A. Hitler, Emílio Medici, George W. Bush, Osama bin Laden, o Beira-Rio e a goiana torturadora de meninas, em frequência desproporcional aos ditos bons, seja Irmã Dulce ou o Mahatma Ghandi, o Sujeito, e todo respeito, deve estar em conflito Consigo; a analisar, portanto, nossa fé, se sempre correta em relação a este Camarada.

O maluco Nietzsche ousou declarar que Deus estava morto. Além de doido pela sífilis foi dos maiores filósofos a passar por cá e tenho para mim, agora ao desligar o microcomputador e ainda imaginar o sofrimento do engenheiro gringo, que talvez Deus não tenha morrido, mas seja de fato semelhante a nós, sem grandes bondades, justiças ou infinita sabedoria.

Sem escrever reto por linhas tortas, apenas escrevendo errado, como todos nós feitos à Sua semelhança.

Da forma O imaginamos, bem, aparentemente não existe.

Na abóboda da Capela Cistina um sujeito raivoso, a comandar destinos. O que seria?

Comentários

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Hanitzsch - 04/04/2008 (11:04)

Caso eu tivesse um "fullhand" não teceria (sic) comentários. Nietzsche já morreu. Deus não sei. Leia, Otávio, Resposta de Jó `a Deus. E o TB sempre brilhante, um dia chego lá. RH

Otavio - 04/04/2008 (08:04)

Acertou a veia, Hermó!

Fé e mistério.

Este ainda permanece: não fomos capazes ainda de descobrir de onde viemos (a Ânima), muito menos desconfiamos qual seja nosso destino.

Mas a fé erigiu e consolidou tamanha ordem, que hoje nos atrapalha uma barbaridade.

Foi sábio quem a instituiu. Sem ela, talvez a espécie não prosperasse até o ponto a que chegamos.

E talvez não prospere mesmo. Nossa espécie não tem idade suficiente para se julgar dominante ante as demais (Stephen Jay Gould, o paleontólogo, em "Full hand").

Hoje, porém, a fé mais atrapalha do que ajuda, como você, de forma cristalina, bem colocou.

Grande reflexão, belo texto.

Hermó - 02/04/2008 (08:04)

Dizem um tema espinhoso. Fato é que todos os povos tem lá suas entidades imaginárias, deificadas. O inexplicável a dar conduta a alguns tentar explanar, configurar, aquilo o qual, de concreto, não sabemos. Surgindo os aproveitadores, desde papas a reinar em luxos, dos pregadores gringos em igrejas milionárias a seus copiadores espertalhões bispos Macedo e vil cunhado Soares por aqui, sagazes aiatolás com poder político, mulás e toda corja de pajés e suas falas exuberantes, sibilantes tal qual serpentes venenosas, mortais enfim.

Caio Teixeira - 01/04/2008 (19:04)

Olá, Tio Hermo! Gostei do texto, a verdade tem que ser dita e discutida. As coisas só mudam com o fim da hipocrisia. O Homem precisa encarar os fatos. Abraço