Hermó

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro & Mello

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Artigo nº 67 - 18/11/2022

Ato extremo

Dos casais unidos, por longo ou algum tempo, uma partida conjunta, para a morte voluntária, pode ser entendida como ato de extremo amor; ou ato extremo de amor. Não sei, todos as ações a envolverem os sentimentos exacerbados me assustam. Amor, violência.

Caminham juntos.

Há algum tempo observei tal questão, onde senhora conhecida embebedou-se deste extremo malvado elixir, na retomada de algo distante perdido no tempo infantil, que ressurgia. Arrebatador no retorno, a detonar loucuras. Infernação da alma, desconcertante.

Não sei como anda, entretanto quando leio aqui Carta a D., de André Gorz, penso nessas questões do espírito. E, novamente, amor, violência e loucura não são mutuamente exclusivos eventos, sentimentos ou momentos.

Um belo livro, edição ,Cosacnaify, 2008, tradução do Celso Azzan Jr.

O suicídio do casal em 2007 chocou a comunidade pensadora, da qual Gorz era entoado líder entre líderes. Intelectual, filósofo, teórico das questões dos humanos e sua convivência, ecologista, tradutor e escritor de brilhos.

A carta à sua Dorine, livro por fim, de tão elaborada, arrebata o leitor. Lirismo, sinceridade, trechos de umedecer os olhos do mais vetusto e insensível velhaco.

Escreve ele “nossa história começou maravilhosamente, quase um amor à primeira vista”, segue encantado com a moça e seu britanismo, seu primeiro enlace carnal: “eu despi o seu corpo com cautela... a Vênus de Milo tornada carne.”

Seu apoio, a jovem já sua esposa “Sua vida é escrever; então escreva” detonava, incentivando-o. Relata sobre a ida ao campo e o enxotamento pela construção de central nuclear próxima. Planta árvores. Duzentas.

Preocupa-se com a doença da esposa, aracnoidite, inflamação de tecido da meninge, em forma de teia, aprendi agora.

Em certo dia de 2007, cansados de viver, incapazes da possível solidão e com sofrimentos físicos insolúveis, escolhem a morte conjunta, o suicídio a dois.

Comovente, mas cruel. A pior forma da violência, imagino, a contra si mesmo. Porém assunto de divagações infindáveis a tocar naquilo temos de mais valioso, a vida e suas circunstâncias. Alguns cansam como tão bem retratado em filmes sobre tetraplégicos em suas camas perpétuas a implorar o fim; outros têm as mentes perturbadas, pelo passado e vivido, a ponto de cometer o ato extremo; por amor até.

Por aqui houve similar caso: o suicídio dos Zweig, penso em Nova Friburgo. O escritor e a esposa procuraram em seu Freitod (curioso o termo em alemão, talvez como “libertação pela morte”) desvincularem-se da carga de ter se “evadido” do sofrimento coletivo dos judeus na Europa dos 30/40, imigrando ao Brasil. Imaginada culpa pelo não-sofrer.

Como jovens que se suicidaram por não poder ir à guerra. Ou por ser-lhes proibida a mini-saia...

Somos assim, às vezes extremos.

Ajude o Greenpeace a ajudar a natureza. Contribua adquirindo algo na sua loja virtual em Espaço Greenpeace. Acredite, é por uma boa causa. Das melhores.

Um belíssimo livro, arrebatador na escrita e no retratar do amor extremo. Cativante.

André Gorz e Dorine, juntos para o nada, opção extrema.

Comentários

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Hermógenes - 14/03/2008 (10:03)

Fascinante a entrevista (seria a última?) em sua lingua materna, que deixou de falar por quase 40 anos. Admirável a compreensão da convivência humana, como observador gabaritado. Interview mit André Gorz

Hermógenes - 14/03/2008 (09:03)

Alguns me questionam alguns dados mais sobre a obra de Gorz. Com perdões se houver erros e licença à Internet, lá vai: Nascido Gerhard Hirsch, era filho de um comerciante de madeira vienense, de origem judaica, e de uma secretária católica de Dresden, oriunda de um ambiente intelectual. Seus pais não demonstravam um forte sentimento de identidade nacional ou religiosa, de forma que, para escapar do anti-semitismo, seu pai converteu-se ao Catolicismo, em 1930, adotando o sobrenome Horst.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, sua mãe mandou-o para uma instituição Católica em Lausanne, para evitar sua convocação pelo exército alemão. Depois disso, o jovem Gerhard permaneceu apátrida até 1954, quando se naturalizou francês com o apoio de Pierre Mendès France. Em 1945 graduou-se na Escola de Engenheiros da Universidade de Lausanne, como engenheiro químico.

Iniciou trabalhando como tradutor de histórias curtas americanas para um editor suíço, fazendo publicar seu primeiro artigo em um jornal cooperativo. Em 1946 ele conheceu Jean-Paul Sartre, de quem se tornou próximo. Então, sofreu grande influência do existencialismo e da fenomenologia. Gorz contribuiu para os jornais Les Temps Modernes (Paris) e para o Technologie und Politik (Reinbek).

Em junho de 1949 Gorz mudou-se para Paris, onde começou trabalhando com o secretariado internacional do Mouvement des Citoyens du Monde e depois como secretario particular de uma adido militar da embaixada da Índia. Posteriormente, como jornalista da Paris-Presse, adotou o pseudônimo de Michel Bosquet. Encontrou-se, alí, com Jean-Jacques Servan-Schreiber, que o recrutou como jornalista econômico para o L'Express, em 1955.

Em paralelo com suas atividades jornalísticas, ele continuou próximo de Sartre e adotou uma postura existencialista sobre o Marxismo, o levando a enfatizar as questões da alienação e da libertação, no conjunto da reflexão sobre a experiência existencial e a análise do sistema social do ponto de vista da experiência individual. Esses debates intelectuais formaram a base de seus primeiros livros, Le Traître (Le Seuil, 1958, prefaciado por Sartre), La Morale de l'histoire (Le Seuil, 1959) e Fondements pour une morale (Galilée, 1977), publicado quinze anos depois de escrito. Todos foram assinados como André Gorz, pseudônimo escolhido a partir do nome da cidade onde foram feitos os óculos dados ao seu pai pelo exército austríaco.

Hermógenes - 14/03/2008 (09:03)

Sim senhor, página 59. Fique sempre à vontade para consultas. O livro é formidável, a edição primorosa. Disputado, por onde pergunto. Dizem até esgotado. Parabéns. Th

Paulo - 14/03/2008 (09:03)

Caro Hermó, Muito legal o seu texto sobre o livro. Como editor, fiquei honrado. Vc reconheceu o seu dedo numa certa nota de rodapé? Achou que ficou direito? Abraços Paulo