Artigo nº 34 - 18/11/2022
Da África o melhor
Nossa alimentação cotidiana é portuguesa e italiana, com toques indígenas. O entrecosto com fritas, tão comum no “reino”, até hoje é por aqui muito apreciado, na sua forma mais brasileira, o filé com fritas. A que adicionamos farofa, indígena.
No mais autêntico interior brasileiro, Zona da Mata baiana, lambendo o sertão, em domingo festivo apresentaram-me o prato predileto: frango com macarrão, ou vice-versa, como pedem alguns. Italiano, adotado por aqui com clareza. Convenhamos, delicioso.
Ou seja: a "babelização" da nossa comida é questão das mais importantes e digna de estudos, como o fez mestre Câmara Cascudo, em profundidade. A alegria de viver neste país passa pelas tripas, dizia Euclides Neto, escritor baiano e grande apreciador dos pratos brasileiros. Declamava odes às suas virtudes, porém a acompanhá-lo em certas empreitadas culinárias, joguei a toalha. Seu gosto pelo "da terra" diferia daquilo eu agüentaria. Cito um execrável ensopado de tatu, intragável umbu com leite de cabra morno e farinha de mandioca, fétido meninico de carneiro e azêdo doce de tamarindo.
Ao meu feliz concunhado ofereceu cascavel em moqueca. Este, baianíssimo e portanto diplomata nato, agradeceu, comeu e achou parecido com peixe... À minha mãe alemã, durona, empurrou churrasco de onça, que essa deglutiu sem comentários, excetuado certo curto “é-caça?”
Lorotas? Perguntem às vítimas.
Porém nossa fina culinária ao contrário da "da terra", fina mesmo, não é européia; é africana. E endosso: fina mesmo, sem nacionalista correção política ou afrescalhamento crítico. Inegável os pratos baianos, soteropolitanos, serem a mescla de um pouco de Portugal com o insuperável da África, predominando a arte do então escravo, superlativa.
Por essas confusas vias do destino casei com baiana e, de troco, recebi o melhor se pode verificar na cozinha de lá. A sogra é a, dir-se-ia, virtuose no comando gastronômico *. Seu séqüito de aprendizes, hoje espalhado pelas casas de suas filhas, filhos e agregados, aprendeu o ofício com maestria. Mas o non-plus-ultra, a crème-de-la-crème, por sorte, está conosco nessa Paulicéia Desvairada.
Autodidata, a piauiense Heleide. Os melhores pratos baianos, em São Paulo, são feitos pela nossa amiga das redondezas de Teresina.
Moqueca de caçonete, camarão ou badejo, não há igual. Farofa de dendê, l´incroyable! feijão fradinho, arroz o mais branco dos brancos. Vatapá (matapá em Angola, acabo de ler), caruru (calulu por lá), bobós, pequenas infusões de pimenta-de-cheiro e toda a paleta de cores da arte luso-africana de servir pratos.
Com sobremesas formidáveis, desde quindões, a espumas de coco com calda de chocolate, cocadas (a ser justo, feitas por nossa querida Edileusa, esta baiana autêntica) alvas, originais e tradicionais, esfriadas na pedra polida.
Nos eventos por cá, quando alguém quer coisa perfeita, detona: comida baiana! Ao lado a última farra, mostrando a turma em plena ação.
Divirtam-se.
* Perde somente para meu amigo Moreira, lá de Salvador, que em seus passeios dominicais à Rampa do Mercado, ao lado do Mercado Modelo, comprava uns tais siris moles, com os quais fazia moquecas. Trata-se de um siri que pode ser comido inteiro, com carapaça e tudo, mole e macia. Não existe moqueca igual. Porém há histórias de extinção da espécie, me parece. Raro achar. Nunca mais comi. Em tempo: o único restaurante de boa comida baiana por esta cidade é o "Soteropolitano", na Rua Fidalga, Vila Madalena. Um primor, comandado pelo incansável Júlio.
Borbulhante moqueca, nossa fina culinária.
Heleide no comando da melhor comida baiana. Em São Paulo, ela do Piauí.
Moqueca de caçonete, pronta!