Glória e ódio de Lindovalda Santos de Ortiz
-"Os ovos só quando ela descer, certo?"
- "Claro".
- "Vou dar uma melhorada nessas torradas, ficaram moles, certo?"
- "Certo"
- "É para fazer chá mesmo? Ninguém toma."
- "Se sobrou água, um pouco, só pela data".
- "Suco só para ela que gosta, está bom?"
- "Sem problemas"... e segue com o seu solitário desjejum, após esse diálogo um tanto tenso com a hoje menos simpática assecla.
De repente um cheiro terrível de coisas queimando: as torradas!
Corre ao forno, já fumaçando. Pega o pano ali à mão, puxa da bandeja.
O pano desliza, o dedão já machucado com anterior ato de sacar o terceiro pino de nossos curiosos plugues brazucas, frita no alumínio.
Talquei, agüenta mancebo! Abre as janelas.
Entra a filha da distante Gideão da Serra no seco Nordeste, olha para a fumaça e diz:
- "Eitcha, esqueci da porra! Estou muito nervosa hoje! Puta que pariu! Merda! "
E seguiu com a saraivada de palavrões de preencher a cozinha, a ponto os azulejos enrubescerem.
Definitivamente o aniversário de casamento do casal é das datas mais irritam a pobre Lindovalda, por alguma misteriosa razão.
Desde rearranjar aos trancos duros a mesa do matutino café o patrão havia posto, fazer a rubiácea de levantar os defuntos do Araçá, dobrando a quantidade de pó já havia o velho preparado, resmungar pelos cantos e bater portas.
Não é algo que a faz feliz, aquele específico dia.
Mas ele entendia.
Há 35 anos desta forma... temos nossas paranoias, somos assim.