Canetas e armas
Por Erica Teixeira, de Salvador.
Tenho certo fetiche com papelaria. Em especial, canetas...
Uma delas é a famosa caneta esferográfica azul, seja da BIC ou Compactor. Macia, prática, barata e extremamente útil aos que, assim como eu, tem paranóia cadernal.
Essa velha companheira, hoje, ocupa espaço de destaque no mais alto posto do Poder Executivo: está nas mãos do nosso então presidente, Messias Bolsonaro. Ou Birolino, para os íntimos.
E a mesma caneta que foi utilizada para assinar o termo de posse em primeiro de janeiro, ontem, assinou o decreto que afrouxa as regras para a posse de armas no país.
A violência no Brasil é um problema estrutural e envolve diversas causas. Não é novidade para ninguém que circunstâncias como a altíssima concentração de renda promovem esse choque na segurança pública e, talvez, precisemos de mais algumas gerações para de fato controlar isso.
Armas, se para defesa ou ataque, foram criadas única e exclusivamente para ATIRAR. Provocar dano, laceração, dor, violência. Porque “se defender” também é um ato de violência, AINDA que provocado. Logo, inexiste QUALQUER outra finalidade para esse instrumento que não o de provocar dor. Insisto nessa premissa para que as pessoas parem de demagogia ou proselitismo barato tentando me convencer de que há “finalidades recreativas” ou “busca-se apenas um instrumento de defesa”. Romantização fajuta para justificar a aquisição de um instrumento que foi genuinamente criado para causar dano.
Ressalvados os casos em que as pessoas trabalhem diretamente com segurança pública, privada, ou a sua própria profissão implique em reais riscos a sua integridade física – que representa, em números, uma porcentagem bem pequena-, inexistem razões para andar armado.
O nosso país, por si só, convive com índices de violência equiparáveis a países que vivem em constantes guerras civis e parte da população (adivinha em quem votaram) acredita fervorosamente que medidas como essa promoverão “respeito imediato” aos portadores desse instrumento criado para matar.
Os defensores e eventuais interessados, sabe Deus como, se vêem investidos em uma maturidade psicológica, física e tática que não possuem para andar com um instrumento que coloca em risco não apenas as suas próprias vidas, mas, muito pior, a vida de todos que estão ao seu redor (sim, possuem uma fé inabalável de que a entidade do Batman ou do Superman irá incorporar neles durante eventual assalto ou invasão).
Esses mesmos defensores da AUTONOMIA DA VONTADE, muitas vezes, com um discurso imbuído de moral, são aqueles que outrora achavam legítimo o Estado proibir aborto ou o consumo de maconha. Também são aqueles que querem se defender de "ataques terroristas do MST", mas acham MASSA invadir área de proteção ambiental ou desmatar zonas de proteção indígena (porque sim, esse país já era habitado pelos ditos ~invasores da propriedade~).
Inclusive, muitos deles também são os mesmos que agridem mulheres, sejam elas desconhecidas ou mães de seus filhos. Aliás, esse é um outro problema real, grave e tratado como MIMIMI pela sociedade: o feminicídio ou, em outras palavras, o assassinato de uma mulher pelo simples fato de ela ser mulher. SÓ em 2019 já passamos de 20.
Eu, euzinha, conheço ou conheci pelo menos 10 mulheres que VIVEM OU VIVERAM em relacionamentos EXTREMAMENTE abusivos.
Me pergunto quantas vezes a vida delas (não tão distantes) foi salva pelo simples fato de seus agressores não possuírem, no momento da agressão, uma arma. Porque a violência contra mulher, além do ato em si, envolve a própria imposição de poder ou hierarquia. Além do mais, a compra desse instrumento ainda envolve o fator “poder aquisitivo” e muitas mulheres ainda vivem relações abusivas pelo simples fato de não possuírem condições financeiras para se manter ou manter seu filhos. Logo, NÃO poderão adquirir uma arma.
Ah, mas e os bandidos ? E o tráfico ? O combate às drogas DECLARADAMENTE não é mais eficaz. Devemos repensar as causas e como combater o que provoca ele, não aparelhá-lo mais ainda. Pois é isso que vai acontecer.
Então assim, galerinha bacana, já imaginaram a quantidade de pessoas que estão, de fato, suscetíveis a essa medida irresponsável do presidente ?
Caso tudo isso sequer passe pela sua cabeça, é porque certamente a arma não está apontada para você.
Sociedade hipócrita, doente e irresponsável.
Nós, brasileiros, somos assim: moralistas de goela.