Para não normalizar...
Por Odorico Leal
Primeiro, recusou-se a ler o jornal, “para não normalizar Bolsonaro”. Depois, dispensou o café, cancelando compromissos matinais.
Por volta da uma da tarde, enfraquecido pelo jejum, repeliu com asco a ideia de deixar o próprio filho na escola, o que, segundo ele, implicaria “normalizar Bolsonaro de forma pública e escandalosa”.
Já sob observação preocupada dos familiares, atravessou a tarde sentado na poltrona preta junto à janela.
Ocorreu-lhe, então, que contemplar aquele ir e vir de transeuntes nove andares abaixo acarretava também uma indigna e temerosa normalização do cotidiano brasileiro e, portanto, do senhor Jair Bolsonaro.
Pediu que voltassem sua poltrona para a parede.
Assim permaneceu até a meia noite, quando concluiu que dormir era uma forma de conceder derrota e, por óbvio, normalizar Bolsonaro.
Estudou a parede o quanto pôde, interpretou falhas e deformações, adivinhou formas que, como certos encantamentos, logo desapareciam.
A noite, por fim, veio adular seus olhos, que se entregaram.