E de repente...
Os anos passam, não nos apercebemos em plenitude. A mim o grande marco seria a passagem para o novo milênio. Crianças, ríamos minha irmã e eu da perspectiva de termos "mais de 40 anos" em 2000.
O formidável mundo seria o ambiente com automóveis voadores, a cura do câncer, robôs ao invés da vetusta tristonha Carmen, a doméstica tudo resolvia sem reclamos, sem ler ou escrever.
E já se passaram 18 anos desde o evento. Afastado o temor dos computadores loucos procurarem datas por 1900 para suas indexações, ao invés de 2000.
O bug do milênio morreu pisoteado, como muitos insetos, sem deixar sequelas.
E dos 40 e tantos à época, chega-se aos 60 e um pouco...
Com suas marcas. Feito máquinas nós também envelhecemos. Apesar de cremes, tinturas, terapias e cirurgias.
A ferrugem das ditas, a tinta a descascar, os rolamentos rodando com mais barulhos, os vazamentos, bem : me faz concluir onde há movimento, e em nós vida, há desgaste.
É inevitável.
De repente levantar rápido não é mais tão automático. Sem óculos meia-taça a vida é impensável. As letras miúdas que irritavam nossos avós e pais, agora também são ilegíveis.
O corpo se modifica, para pior. Surgem as frouxas papadas de dragões das Ilhas Comores, os flapes nos braços, a dobra insistente na barriga.
Sentar por períodos longos faz o traseiro doer. Dormir é um festival sonoro, autoral e da companheira, com as idas ao sanitário.
Olhar a silhueta no espelho é um martírio.
E as fotos antigas um certo colírio.
E surgem os cabelos brancos... nos filhos. Os netos já falam! Se movimentam, sós.
Somos na maioria órfãos, sem muitos problemas com isso.
Rimos de outros aposentados, que brigam com seus smartphones ou dormem nos cinemas. Como nós.
Já pensamos em preferir o táxi ao próprio automóvel.
E pagar uns cobres a mais por espaço no avião; até pisar na jaca comprando um conforto em executiva da vida, não nos assusta mais.
Surgem questões de saúde nem sabíamos existir, a descobrir em sites de doutores também maduros, pelo Google, o grande amigo dos velhos curiosos. E temas se tornam realidade, às vezes triste.
Adoramos filmes antigos, viramos a cabeça quando passa um lustroso Ford Galaxy ou brilhante Opala Comodoro 4100.
E, talvez das poucas vantagens do envelhecer, os temas tanto motivam e polarizam surgem sem muita importância.
Ao ver Lula ou Ciro, até Bolsonaro ou Alckmin, apenas observamos: é, eles envelheceram...
A eles, como a nós, fica aquilo Freud denominava Ersatzbefriedigung, o gozo alternativo: para eles a maluquice da imaginada juventude pelo poder desejado, pior que adição de nicotina.
A nós reles mortais envelhecidos, o copão de uísque ou a torta melada.
Parece foi a grande atriz pragmática até a última prótese dental, Fernanda Montenegro, que detonou:
A terceira idade não é a melhor idade. É apenas uma merda.