No dia de S.Silvestre em S.Petersburgo
Por A. Tchekov
O marido deixou claro, entrando pela porta com o vento gelado e empurrando Anna Galiova, a camareira, êsse final de ano seria diferente.
Encontrou na sala sua bela espôsa, também Anna. Sorvia risonha da xícara ao lado do borbulhante samovar o poderoso chá.
O marido explicou:
-" Não quero o sêco bolo de nozes, odeio essas aves assadas sem bom tempêro e não aceito mais a horrível champanha da Criméia, dôce como mel de verão e enjoativa ".
A bela Anna continuou sorrindo, sem alterar-se com o tom duro. A camareira, curiosa, espiava pela fresta da porta deixada encostada.
-" Não quero a música horrorosa da balalaica desafinada de teu primo. Não quero como convidados somente parentes teus e vizinhos da tua mãe. "
A esposa não alterou o semblante, o que é comum quando alguém comenta sobre seus parentes. Como uma enigmática gueixa sorridente, mantinha o formato.
-" Não quero compota de ameixas, não quero o horrível Weihnachtsstollen da tua tia Ulianova e, principalmente, não quero teu primo citando poesias em francês, que não sabe falar. "
Inalterada, Anna nada disse.
-" Não quero comemorar o Dia de São Silvestre e a passagem cristã sempre da mesma forma. Hora de mudar. Novas rostos, menos parentes aborrecidos e aborrecendo, comida mais moderna, sem arenques, sem sopa de crême, sem tomates assados, com boa vódca, bolos com custard, vinhos da Geórgia e um pouco de piano com meu compadre Ivanov. "
O silêncio de Anna o intrigava.
-" Estás de acôrdo ? "
Finalmente a bela criatura se dignou e replicou:
-" Será ganso assado com repôlho e batatas, com muito caldo e cebolas em conserva. A champanha será da Criméia, nos copos da Boêmia que foram da minha tia, coitada, morreu cêdo. A compota de ameixas com o bôlo de nozes é tradição desde minha bisavó, que morou nesta casa, como sabes. A balalaica faz parte, eu adoro seu som, principalmente no último dia do ano. Meu primo a toca muito bem, é violoncelista na Sinfônica Kraniev. Os convidados são meus parentes que vejo pouco e, sim, vizinhos da minha mãe também virão. Pessoas boas, a quem prezo muito. O Weihnachtsstollen da tia é maravilhoso, o faz em novembro, para curar com perfeição. E todos gostam das poesias em francês do meu querido primo Pjotr. Por sinal é fluente e viveu em Paris por 15 anos. "
O silêncio agora era do marido. Somente um risinho contido da camareira por detrás da porta interrompeu.
E a espôsa continuou :
-" Agora sobe, veste-te corretamente, prepara-te para receber a todos com teu melhor sorriso e não estragues minha comemoração, que tanto amo. E traz minhas luvas quando retornar."
Nada disse o marido, baixou os olhos e ainda ouviu :
-" Não empurra a criadagem quando abalado em teus propósitos, meu amor. Sê um cavalheiro sempre. Agora podes ir. "
E assim iniciou-se o vigésimo dia de Final de Ano daquêle lindo casal, seus parentes e amigos.