Tatuagens
Algumas coisas não saem da memória. Indeléveis. Como tatuagens.
Com 16 anos e certa compulsão sobre a história da Segunda Guerra, achei um livro na biblioteca do meu pai, “Hitler”, de Werner Maser (publicado em 1971).
Um catatau robusto, mas a leitura era magnética. Até o momento discorria sobre o Holocausto e a barbárie daqueles atos. Fiquei horrorizado, não sabia exatamente com detalhes do ocorrido, apenas os alemães haviam feito algo muito feio.
Por um acaso, naquela época, ao retornar de ônibus para nossa casa após as aulas, observei ao lado uma senhora de seus 50 anos e sua provavelmente netinha.
E antes, em uma aula especialmente chata, por debaixo da carteira havia lido sobre as tatuagens com números a marcar os deportados aos campos de matança. Burocracia da morte, gadificação dos seres miseráveis.
E, eis que, aquela senhora conversando baixinho com a netinha, portava em seu antebraço a marca da brutalidade: uma tatuagem com números.
Fiquei olhando, absolutamente estático, para aquilo.
A netinha percebeu meu olhar, apontou para a avó.
Verifiquei seu desconforto e a senhora colocou a mão sobre a tatuagem. Nossos olhos cruzaram. Não lembro de ter visto olhos tão tristes em minha vida.
Anos adiante, no aeroporto de Guarulhos, esperando esposa e filhos, observei um senhor muito agitado, de seus 75 anos, conversando com alguém ao seu lado. Se o vôo havia chegado, eram pessoas importantes para ele receber, seus parentes, etc. etc. Uma camisa bem colorida, quase havaiana. Um sujeito alegre.
Mas sem querer olhei para seu antebraço: novamente a tatuagem de números.
Notou que eu olhei, nada disse. Porém sorriu. E esticou o antebraço. Como se quisesse dizer: sobrevivi, nada a esconder.
Sorri também, meio torto, penso. A carga era pesada para aquelas pessoas.
Muito pesada, alguns manejavam, outros sucumbiam ao peso.