Não!
Chegaram desolados, os dois meninos. A mãe menos, já melhor lavada com as águas das injustiças oficiais, oficiosas ou oficialmente bandidas mesmo. Coisas dos humanos. Não mudamos, não mudarão. Estas águas sempre correrão conquanto houver estes bípedes em uniformes ou ternos, mormente os trabalhando para governos, essa imensa piscina de desafortunados sem perspectivas, em vingança pela própria mediocridade espicaçando os demais.
Perguntei o que ocorrera, já desconfiado. Negaram visto para o passeio, tio – a resposta dos jovens. Nada portanto de grande cidade do norte, aqueles parques imensos, o povo falando diferente, jogos de beisebol e todo o resto vinculado à esperada grande viagem.
Por razões não citam, que vão desde tachar alguém de ilegal a até velado mau humor ou puro racismo: negado. Lá não! Vocês não.
Leio que até 15% dos “entrevistados” para obtenção do carimbo recebem o chega-para-lá. Seguindo o hábito, obedientes, alguns países, como os vizinhos do sul, assim disfarçadamente amenizar para os seus cidadão e azedar para o que vêem mais abaixo, nós os under-cucarachas.
A mãe dos rapazes mora lá, tem estadia garantida pois casou com um gringo. Aos moleques porém nem a visita por duas semanas; pois, cautelosos os emitentes do papelório, estes poderiam evadir-se, ser perigosos clandestinos e subtrair o sub-emprego de alguém.
Pouco a fazer, afinal é tudo longe para dedéu e advogados só pegam fogo quando bem pagos, lá como cá, senão há pouco interesse... Enfim, nada de viagem.
Pensei cá comigo sobre a latente xenofobia, mundo afora. A prender, até matar, quem ousar atravessar uma imaginada linha em mapa. Pois lá é de outrem. Lá não pode. Fora dos limites são balas nos incautos.
Feudal, expandindo-se pelos tempos. Mas fomentado pelo idiotismo de alguns, medrosos dos outros de fala, olhos ou cores distintas; inventaram-se bobagens como bandeiras, patriotismo, fronteiras e todo o arsenal simbólico a provar: nós somos daqui, vocês saiam.
Alguns cansam, como sujeito filho de russos, judeu, nascido nos anos 30 em Xangai, expulso pelos japoneses, foi a Austrália, onde lhe negaram estadia, Estados Unidos, onde também negada a imigração, por fim, com uma caixinha paga a funcionário consular brasileiro (nossa rica tradição...) conseguiu um salvo-conduto (a esta altura já devia ser isto...) para o Rio de Janeiro.
Jamais quis se naturalizar brasileiro e nem, israelita, tornar-se israelense; parecer-me-ia coisa bem simples. Com orgulho abdicou a todas as nacionalidades e religiões, que andam próximas no besteirol. É apátrida com passaporte emitido pela ONU.
Os meus sobrinhos jovenzinhos agora já ferrados com o tição da intolerância, algum dia deixarão sua marca da insatisfação com o arbitrário gesto. É comum entre nós, reagir de forma igual.
Porém quem sabe um deles faça uma reversão no sintomático mútuo ódio oficial e àqueles que procurarem visitar os distantes, para ficar um pouco com uma mãe, por exemplo, fornecerem até incentivos, pelos filhos que são?
Mas isto não ocorrerá tão cedo, afinal temos pavor dos diferentes, lá e cá, mesmo se meninos inocentes do mais aconchegante interior da Bahia a procurar visitar a parente no distante país.
Somos duros, cruéis. Somos assim.