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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Guten Appetit

O esquadrão de reconhecimento aéreo da Luftwaffe KG 40, Sétimo Agrupamento, me consta ocupava o aeroporto de Bordeaux-Merignac. E os alojamentos de fim de semana eram no Chateau Bagnolet-Hennessy, para os oficiais alemães descansarem.

Um simpático castelete com muitos quartos e bela cozinha, proprietários expulsos. Da invasão da França pelos alemães até sua expulsão com o Dia-D em 1944, serviu como uma espécie de clube exclusivo para os invasores e seus aviões.

Profissão arriscada dos sujeitos, mas obrigatória para quem era convocado e escolhesse ser piloto. Dos 30.000 aviadores alemães da Segunda Guerra, somente 2.000 sobreviveram.

Cruel estatística, todavia a mim favorável, meu pai foi um dos sobreviventes.

Mas, de volta ao elegante Chateau, apesar do ódio aos alemães, a vida na França ocupada seguia adiante naqueles primeiros tempos de guerra menos encarniçada.

Ficou o cozinheiro e parte da criadagem original, além das pessoas que fabricavam o conceituadíssimo e até hoje existente conhaque Hennessy, desses 3 estrelas de lamber os beiços.

Consta uma lenda terrível certa noite um dos jovens oficiais alemães, um tanto bêbado, ter ido à cozinha perturbar não uma mas um dos serviçais, com o qual desejava relação mais intensa.

Porém o jovem francês não era homossexual nem colaborador e rechaçou a investida, empurrando o bêbado.

Esse escorregou, bateu com a cabeça e azar dos azares, morreu.

O cozinheiro chefe percebeu a complexa situação, verificou se alguém dos alemães comemorando havia notado o sumiço do colega e constatando nada ocorrera, tirou as roupas do oficial e as queimou no grande forno de defumação, que ficava aceso 24 horas para a fina charcutaria praticada.

Com as botas do falecido, era inverno, fez uma trilha falsa até uma mureta e um caminho de pedriscos, esse sem neve, voltando de ré. Como se o sujeito tivesse saído por ali.

O corpo já havia ido para dentro de um imenso refrigerador de parede, daqueles ainda com compressor de amoníaco e porta de madeira.

Acomodado entre barras de gelo, sacos com carne de porco e algumas peças de carcaça de boi, seria difícil ver o que ocorrera.

Pelas tantas, alguém dos outros alemães veio verificar onde estava o camarada. O velho cozinheiro apontou desinteressadamente à porta da cozinha para o pátio e sua neve, indicando que o sujeito saíra por ali. Verificada a trilha com marca de botas, sairam os amigos em direção ao vilarejo para ver onde andava o colega.

Enquanto isso, o cozinheiro e seu auxiliar freneticamente retalharam o corpo do alemão, separando como bons açougueiros as peças. Parte foi à charcutaria, parte foi congelada.

E servidas nos 10 dias seguintes para os alemães, nas mais requintadas especialidades francesas, enquanto voavam missões e nos intervalos procuravam o desaparecido. Terrines de fígado, tripas à moda de Caen, galantine de miudos, rins com vinho Madeira e por aí vai.

Enquanto os alemães conjecturavam se o colega havia desertado, morrido afogado em algum dos lagos da região ou desistido de tudo e se escondido com alguma francesinha colaboradora, a culinária atenuava os horrores da guerra se aproximava com intensidade.

A parte sentimental, porém, foi quando em junho de 1944 a esquadrilha recebeu ordens seguir para a Noruega, pois a situação na França era insustentável com o avanço americano.

Aviões prontos, um último jantar no Chateau.

O cozinheiro despediu-se de todos e disse que seguiria com seus assistentes para Angolême, onde tentariam convencer aos resistentes e americanos não serem colaboradores.

Os alemães, alimentados tão bem por aqueles 2 anos, compreenderam e agradeceram. Ao entrarem nos carros, ainda receberam de presente uma grande panela com maravilhosa e cheirosa terrine, para consumir na viagem.

E chegados após 20 ou 30 horas de vôo em Drontheim no país nórdico, esfomeados, levaram a coisa à cantina. E ao recortar o quitute, encontraram a cabeça de seu colega, como recheio.

Cozida, mas intacta, com cabelos e óculos.

E um bilhete, enfiado na boca do bofe: Guten Appetit, boche de merde!

Não eram burros, concluiram com pesar o que havia ocorrido com as demais partes do colega...

Oficiais alemães na França, 1942.

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