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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

As bruxas

Por António Checóve, de Badenweiler

A pequena Karsnoyansk agitava-se com a chegada das festas de inverno. Suas neves abafavam um tantinho da euforia, estavam todos a desejar a pesada carga das ditas se aliviasse por uns minguados dias, a facilitar os serviços necessários.

Alimentar os animais, verificar cercas, arames e zelar pela colheita armazenada, como as batatas enterradas no piso dos celeiros.

Porém a balbúrdia era inevitável, mormente entre os jovens, que se acotovelavam a observar a preparação de bolos e tortas, assados e salgados nas largas cozinhas do campo, com seus curiosos fornos ovais.

Mas a alegria não comovia a senhora Delianka Strinaiova. Triste em seus cantos, sem pouco sair do quarto ou da sala, somente confidenciava à sua lacaia preferida, Svetlana, aquilo a angustiava.

As filhas, dizia, as filhas.

Svetlana consolava a senhora, retrucando, porém com certa suavidade, a dos servos: -" Senhora, as moças têm bom coração, mas de fato péssimos modos. Talvez a distância de Moscovo e seus ambientes deveras refinados lhes fizeram falta. Pudera eu ajudar nisso, todavia sou simples lacaia campestre."

A senhora permanecia em silêncio, olhando os vastos campos gelados pela diminuta janela.

Delianka pediu o chá.

Sorvendo com lentidão, discorria sobre os recentes eventos:

-"Nossa mais velha é dura como um cavalo belga, responde à cortesia com patadas. A quem se aproxima, mesmo mostrando interesse, cria repulsa."

Outro gole.

-"A jovenzinha, que todos dizem minha preferida, não se entende com a própria língua. Tropeça nas frases, confunde a si e a todos. E os modos à mesa, terríveis, quase sem controle."

Termina a xícara chinesa.

-"E a minha grande esperança, nossa querida filha do meio, é um tanto fraca do espírito. Jamais aprendeu a fazer contas, apresentar uma história. E tímida, de forma tão doentia, fica só, em quase todo seu tempo...".

Devolveu a porcelana para próximo do grande samovar e num lamento final, declamou:

-"A falta de modos, a timidez, a forma forte de gestos e actos é ensinada? Foi aí que errei, Svetlana?"

E a humilde lacaia devolveu: - " É a distância de Moscovo, senhora. É a distância, nada mais que a distância."

Saiu e no silencioso corredor, sorrindo a si, com a boca entreaberta sofejou:

- "Uma bruxa faz outras bruxas..."

A neves, as festas e a sinceridade secreta de Svetlana...

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