O candidato
Por Euclides Neto, de Ipiaú, Bahia
Falava-se que os homens de bem não devem entrar na política, pois não teriam condições de competir com os espertalhões. Um cidadão idealista, então, encheu-se de brios e resolveu ser candidato a governador do estado.
Convidou os mais competentes e probos para elaborar um programa sério, objetivo, profundamente social, incluindo a reforma agrária.
Apresentá-lo-ia na campanha, comprometendo o eleitorado e correligionários, desde logo, com as obrigações assumidas antes da posse.
O herói chamava-se Agamenon Matos de Orleãns Rodrigues. Como se vê, um nome eufônico, bom de voto e sigla - AMOR. Tudo nos conformes.
No primeiro encontro, encheu o salão da mais perfumada elite social: banqueiros, industriais, grandes fazendeiros, políticos. O discurso de abertura foi sereno e convicto:
- Meus amigos, faremos a jornada da redenção do nosso estado. Mas teremos que mudar o baiano se quisermos mudar a Bahia.
A platéia levantou-se em ovação estrondosa.
- Eleito, os favores não irão para os amigos e os encargos aos adversários. A lei: igual para todos. Faremos concorrências rigorosas. As empreiteiras não terão condições de fraudá-Ias com a velha tática do acerto prévio superfaturado e de quem vai ganhar, já calculados os valores destinados aos demais parceiros da corrupção. O estado é que vai planejar as obras públicas e não as empreiteiras.
Aqui e ali pessoas de destaque começaram a se mexer nas poltronas, trocando olhares desconfiados.
- Não se pense que o apoio à campanha significa trânsito livre nas repartições públicas, visando tirar vantagens. Nomeação mediante concurso, na ordem de colocação. Cargos de confiança, sairão, de preferência, do funcionalismo, onde existem excelentes quadros.
Alguns assistentes pigarrearam, levantaram-se e foram saindo.
- Já me disseram que uma coisa é o que se promete na campanha para colher votos e a outra é o que se faz depois da posse. Fiquemos certos que o afirmado aqui é sob palavra de honra. Não voltarei atrás.
A metade da platéia já estava longe. Alguém se levantou, pediu a palavra e ponderou:
- Convenhamos, governador Agamenon, que o senhor, até por uma questão de conveniência eleitoral, não deve expor suas idéias com tamanha franqueza contra tradicionais colaboradores das campanhas bem-sucedidas.
- Não sou governador ainda. Bajulador no meu governo também não terá vez. Ouvirei crítica com agrado. Trabalharemos contra o tóxico e o jogo do bicho, turbam a sociedade. Farei campanhas contra o excesso do fumo, que enchem, um, as prisões; outro, os hospitais de doentes cardíacos e cancerosos.
Agora só havia um terço da assistência.
- Lutarei para a redução dos salários dos deputados e governador. Ganharão, no máxim0 10 salários mínimos. O governador pagará a sua estadia no palácio. Não receberá a imoralidade de vencimentos após o mandato: isso é furto disfarçado. Nenhum trabalhador continua a tê-los após o emprego. O governador é um trabalhador que presta relevante serviço sem pensar em vantagens pecuniárias. Secretário de estado não se candidatará, para não transformar o seu gabinete em arapuca de votos. Deputado, juiz, funcionário que faltarem ao serviço terão os vencimentos descontados. A mídia que me apoiar não espere recompensa de qualquer espécie. Os que servirem ao governo em cargos de confinaça publicarão, anualmente, no DO, a declaração de imposto de renda e permitirão a qualquer do povo o acesso às contas bancárias. Inclusive do governador.
Coitado do bem intencionado Agamenon. Quando deu fé, restavam no plenário um surdo e um bêbado adormecido.
No dia seguinte o noticiário foi unânime: um maluco e ridículo pretendente a candidatar-se.
A convenção do partido de Agamenon Orleãns passou-lhe o cutelo.