O mercado de carnes de Ipiaú
Os franceses me parece têm certa expressão para o chamar-se-ia passeio, digamos, forçado. Tour de force. Algo similar passar por situação indesejada, porém de alguma forma leva a dizer: sim-foi-difícil-mas-passei-e-sobrevivi. Agora, relacionar isto a mercado de carnes?
Ipiaú é pequena cidade na beira da zona cacaueira baiana, pessoalmente de grande significado para mim; de lá vem a criatura a iluminar o caminho da minha vida, com facho forte. E onde os filhos muitos invernos passaram, com banhos em riacho e o originalíssimo nome de Rio do Peixe (quantos haveria por este país afora?), passeios a cavalo, conversas até a madrugada, risadas e brincadeiras. Tutelados pela turma nascida lá: mãe, avós, tios e tias. Infâncias e adolescências felizes.
E o mercado de carnes de Ipiaú?
Um tanto assustador por isto, assim escrevo, ser tour de force. Entretanto onde todos vão, compram suas carnes, do modesto trabalhador rural ao elegante suspeito funcionário público (todos suspeitos, sempre, quando elegantes; nota minha...) e após os primeiros momentos de declarado nojo pelo local, acabam se conformando com o ato de “fritar bem, depois fica ótimo.”
Uma sombria construção idealizada nos anos 60, para resolver situação imagino pior, terrível, porém de forma irresponsável, nesses anos todos, jamais ter recebido retoque, escrevamos, de higienização.
E ser dos locais mais fétidos e imundos que conheço. Sobre balcões azulejados, estes em cacos, cortam-se as carnes de animais recém-abatidos, penso em quais condições. Algumas peças de carne ainda a pulsar, demonstrando a força da vida. Salgam-se as peças, as tripas.
Não há refrigeração, o sal resolve. Os próprios “operadores” do sistema, imagino eu, se conservam com algum sal... senão aprodeceriam em vida. Tudo é aproveitado, somente as cabeças, orelhas, pontas de rabo e ossos vão a uma pilha, no meio da rua, onde os urubus fazem o término. O cheiro lembra filmes onde homens e mulheres com máscaras andam em campos de batalha, a revirar escombros e recolher corpos dos imbecis que se digladiaram por bobagens.
Hoje ando por lá quase como os locais. Olho as carnes com as mãos às costas, o nariz à frente (o odor é essencial para identificar o passável, com as mãos nada se toca), travo as narinas quando ao lado da pilha de ossos e esquadrão de urubus a revirar os troços amontoados. As vezes uma peça bem salgada me encanta, compro e ensaio fazer. Nunca acertei; a tal carne-de-sol (curiosamente por lá não é curada ao sol, apesar do nome) com pirão-de-leite é algum segredo bem guardado, vedado aos incautos forasteiros.
Como eu...