Foto do Hermógenes

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Chatices

Por Erica Teixeira, de Salvador

Rede social é um bicho dinâmico danado. Em especial reconheço minha patologia por aqueles aplicativos que envolvem fotografias. Coisas, gente, momentos, lugares, recordações, divulgações e notícias de todo gênero.

Transitando nesse mundo sem fim que tanto me diverte, e tanto me faz refletir, sobre como nós, humanos, queremos parecer ao olhar do outro - sim, nossas páginas e publicações falam mais sobre a gente do que imaginamos -, li um desses tumblr (imagens com frases de efeito para todos, TODOS os temas possiveis e inimagináveis - de frases célebres às confissões recalcadas) na página de um sujeito muito jeitoso, sinhôr de blogueira fit, que dizia assim:

- "A gente está num mundo tão chato que daqui a pouco vai ser proibido sorrir porque é preconceito com quem não tem dente". Pense numa publicação que bombou. Senti que lia uma passagem reinventada pelo Maomé gostosão do século XXI.

Em uma primeira leitura, realmente vi sentido nessa questão de hoje não ser muito legal se manifestar sobre diversas coisas pelo fato de - a todo momento - podermos estar potencialmente ofendendo o outro. Viver em alerta não faz bem a ninguém.

Reli. Mas reli sem levar em consideração a gostosura do moço, a sua popularidade e sua posição de, em parte, ele estar se tornando um formador de opinião. E parei para pensar, e pensar, e pensar ....

Já diz meu pai: a unanimidade é burra. Desconfie de homogeneidade de opinião, são bem perigosas e inconsistentes. ( E mais uma vez divago... )

Coincidência ou não, exatamente por ter me questionado muito sobre a veracidade desse pensamento, vivenciamos o Baile da Vogue 2016, cuja inspiração do ano foi a cultura africana. E pimba !

Pense que muitas dilmas foram investidas para que o evento, convidados e indumentárias, reinventasse a África, seus povos, costumes e diversidades, criando um cenário quase mítico sobre o que ela representa. Ocorre que um pequenino detalhe foi esquecido no baile: o povo genuinamente africano, sua cultura e, principalmente, a cor da sua pele.

Zé Bonitinho, desconheço sua vida, sua trajetória, suas vivências, relacionamentos e muito menos seu modo de ver as coisas e levar a vida. Mas o mundo não está chato não. Você é loiro, bonito, homem, heterossexual, está ficando famoso e, aparentemente, teve acesso à educação.

O mundo pode lhe parecer chato porque você, felizmente, precisa repensar quem é no meio em que vive, bem como toda e qualquer conduta: viver em sociedade é isso, é respeitar o outro, sua origem, sua cor, suas escolhas, sua sexualidade, sua causas e todos os outros aspectos que possam lhe parecer errados. A piadinha sobre o preto pode ser engraçada para você, mas com certeza não é nem um pouco pra quem sofre diuturnamente com a segregaçào social escancarada vivida no Brasil.

O mundo não está mais chato. Muito pelo contrário. Ele está assumindo sua pluralidade. Está repensando os gêneros. Está questionando religiões. Está tentando entender o absurdo que é estratificar a cor da nossa pele, enquadrar nossas escolhas em padrões, tipos, espécies, e vendo que o legal mesmo é respeitar a adversidade. Ela é intrínseca e precisa ser manifestada. O mundo está tentando, de alguma forma, permitir que todos, TODOS tenham o direito de voz, historicamente negado a todos que não são "privilegiados" como você. Por isso que parece muito chato para quem sempre esteve em posição superior, repensar sua postura, seus pensamentos e, principalmente, suas palavras (sim, "meça suas palavras, parça"). A liberdade de expressão é valor fundamental, mas coexiste com tantas outras, por isso não é única ou absoluta.

O mundo pode estar um bocado de coisas. A realidade tem sido, sem dúvidas, cada vez mais difícil. Mas tenha a certeza de que não é nem um pouco chato ver uma senhora ser convidada a se retirar de um banco por destratar uma mulher negra. Não é chato também ver o pau comendo no centro e nas redes sociais quando temas polêmicos entram em pauta e as mais diversas opiniões são manifestadas. Não é monótono ver as escolas e instituições de ensino superior (nem sempre da melhor forma, devemos assumir) começarem a tratar a ideia de família através do afeto, não do gênero. Também me faz ver luz no fim do túnel ver como as mulheres estão questionando sua posição social. Aliás, se você está achando o mundo chato, vai numa parada gay para ver como, além de ser fantástica essa manifestação de orgulho, é extremamente divertido participar de um movimento que não apenas reafirma essa bandeira, como também o convida a repensar os ideais extremamente preconceituosos, sob os quais fomos colonizados.

Pode parecer muito distante falar de algo se nunca vivenciamos. Inclusive, não há qualquer obrigação de sua parte em abraçar essas causas. Geralmente quem as faz, sabe muito bem dos traumas que passou. Mas chamar de chata as feridas alheias é negar a sociedade em que vivemos: plural, heterogênea e incrivelmente bela.

Em suma, você pode falar de tudo. Mas achar chato o direito do outro - ofendido - defender suas causas - e, muitas vezes, dar-lhe respostas não muito agradáveis - é negar a democracia que tanto lutamos para conseguir.

Portanto, me desculpe ... Mas chato é você. E, incontestavelmente, beleza nenhuma nesse mundo supera gente chata.

Deixemos de ser assim.

A charmosa colunista Erica Teixeira discorre sobre redes sociais.

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