Quando uma das mãos não lava a bunda
Por Erica Teixeira, de Salvador
Cipriano era homem do povo. Político desde a primeira respiração; reza a lenda que nunca mamava na mesma teta duas vezes, para não deixar a outra com inveja.
Cresceu em Jeremoabo, bela terra brasileira, famosa pelos coronéis que ali transitavam, comandando o que deveríamos entender como democracia representativa. Balela!
Na primeira escola, a habilidade com o trato social era tamanha que suas fessoras sequer faziam questão de esconder a preferência pelo menino. Ainda que não muito agraciado com beleza, a habilidade com fala e pessoas era tanta, que dificilmente esqueciam seu nome. Com garotas, nem se fala. Só namorava por lotes: de três em três.
Cresceu entre livros, estudos e práticas políticas estudantis. Eleições para líder de turma, primeiro grêmio escolar com êxito e, enfim ... faculdade !
Líder público nato. Presidente do diretório por 2 mandatos com considerável folga.
Acontece que não foi incluído em seu dicionário pessoal um lote de duas boas palavras: honestidade e boa fé.
Sempre às burlas, no começo usava seus talentos para coisas pequenas, como ter preferência na merenda. O maior sonho de goiaba para o menino mais simpático, sempre. Trocava de provas com os colegas quando perdia mais tempo na rua aprimorando suas habilidades, que alisando os bancos da ciência - acreditava com fé que sua capacidade cognitiva dar-lhe-ia jeito, sempre. Emitia papéis de voto na universidade de direito para contar vantagem na comemoração como novo líder. Estreitava laços com docentes buscando apadrinhamentos acadêmicos - vide saber quais seriam os conteúdos das avaliações, o que encurtaria o tempo de estudo. E, como bom pupilo, não tardaria a chamar atenção dos partidários peixes grandes, que rondavam a instituição.
Formou-se, investido em cargo de orador da turma. Seria impossível negar-lhe o posto: dormiu com todas as colegas da comissão de formatura, presenteou patrono, professores homenageados e, nas suas artimanhas políticas, convenceu a todos de que uma pessoa tão democrática faria bom jus à turma. De igual modo, saiu da faculdade empregado em função pública e filiado a partido político.
Sua trajetória não seria outra. Contam mais de 20 anos que representa o povo e hoje ocupa o importante poste de Presidente da Assembléia Legislativa. A subida de degraus jamais seria de graça. Muitas bundas foram lambidas com muitos favores. Cipriano jamais mediu esforços para fazer o bem aos seus familiares, íntimos, coligados e, principalmente ... a si próprio.
Sabe-se reza a lenda existir equilíbrio natural das coisas: um dia da caça, outro do caçador. Nisso, ao bater na porta de órgão de fiscalização pública das contas municipais (que, inclusive, funciona muito bem, obrigada) para mais um de seus pedidos encarecidos-e-urgentes-que-visam-atender-a-moralidade-e-o-interesse-público, viu-se contrariado. Irresignado, furioso e mais puto que velho broxa em cabaré, teve uma brilhante ideia: extinguir o órgão que lhe passou manteiga nos sapatos.
E tudo em prol do povo.
Viva Jeremoabo ! Viva Cipriano ! Não precisamos de políticos assim.