A Zequinha sem Luís
Por Denise Teixeira, de São Paulo
Caminhando pelas ruas do bairro, assusto-me com uma pombinha fogo-pagou, linda e imóvel sobre a calçada. Daquelas que fazem uma melodia tristonha: “fogo-pagou, fogo-pagou”.
São delicadas como flor de pitangueira antes de virar fruto. Não tinha mais vida. Estranhamente no mesmo lugar um homem sem teto, envelhecido, profetizou a morte de meu pai.
Dessa vez foi o vigia Luís. Homem bonito, parença de Omar Sharif, assim minha irmã gargalhava lá com seu humor xistoso. Não tinha mais que quatro décadas. Enfartou uma vez. Enfartou de novo.
Guardava nossa rua com zelo. Dessas ocupações aparentemente inúteis, mas necessárias numa terra onde as diferenças de renda são abissais. A conhecida história: poucos têm muito, muitos com pouco. As ruas precisam ser vigiadas como as prisões.
Quase todo dia:
- Bom dia Luis! Como anda a saúde?
- Bom dia! A saúde vai mais ou menos. Um médico manda operar, outro diz não precisar.
- Traz os exames, mostro a médico amigo, outra opinião vale a pena.
Nunca trouxe os exames. Também não pedi mais.
Agora não há mais tempo. Luís se foi.
Ficou tristeza e culpa.
Resta abraçar a viúva e os filhos.
Zequinha de Abreu, 20/10/2015