Traição
Por A. Checkov
Girinov admitiu à corte era um adúltero, porém alertou a opção ter sido irresistível.
- “Honrada corte, sou apenas um homem. O desejo foi maior que a repreensão, lamento. Nada mais tenho a dizer. Peço condenação.”
Os quatro juízes mantinham os olhos abaixados, como se lessem algo de alguma importância no púlpito. A mim, aprendiz causídico de Kiev, pareceu certa vergonha, todos eles provavelmente também traiam as esposas.
O aparentemente mais velho dirigiu-se a mim e ordenou:
- “Aproxime-se da bancada!”.
Apesar de advogar em Krilik há alguns dias, não me recordava desse juiz.
Perguntou: - “Ele poderia alegar certa insanidade temporária?”
- “É tido como saudável, correto e honesto, não dado a momentos de loucura, Mestre-honrado.”
- “Decretarei assim mesmo, com impedimento por alguns meses! O meirinho o dispensará, que fique em casa e descanse. O processo pode demorar, talvez nem entre mais em pauta...”, piscando para mim.
A esposa de Girinov, Natalia Yulia, quando soube enrubesceu de ódio. Pedi a ela discretamente conter-se, explosões de emoções em tribunais são péssimas para a acusação, me explicara o professor Timoshenko no final do curso. De alguma forma me compadeci da acusadora, já me sentia traindo o cliente, dirigindo-me diretamente a ela.
- “Ele e minha cunhada se deitaram, em minha cama! Como ela pode trair meu irmãozinho?”
- “Podemos pensar em um divórcio, já seria algo complexo e caro ao réu, pesada punição financeira” sugeriu sua jovem advogada, procurando por conciliação entre os oponentes.
- “Eu só o quero para mim, mas preso! Assim visito de tempos em tempos e não há risco de deitar-se com aquela desgraçada, novamente...”
- “Senhora, a lei é clara todavia muito pouco aplicada. Os juízes pensam de forma, digamos, masculinizada. A prisão por um tropeço...” foi minha infeliz réplica.
- “Tropeço? Ele me traiu por meses com aquela, admitamos, beldade! Escória, porém.”
A jovem advogada, por quem a cada instante eu me fascinava mais, por fim deu termo ao assunto, um tanto resignada.
- “O ambiente é de homens nessa corte, minha senhora. A traição já ocorreu, pouco pode ser feito. Eu desisto do caso e penso é o melhor para a senhora. Nada mais há a ser feito.”
A senhora saiu, esbravejando discretamente.
Anos após encontrei o casal em Moscou, juntos. A senhora me contou ter perdoado o marido e com a morte prematura da bela cunhada a situação se resolvera. Pareciam em paz.
Quanto a mim, casei com a jovem colega da corte de Krilik, resignada advogada da acusação naquele curioso caso.
Por sinal tem irmã lindíssima...