A bile
De A. Chekov
“Acabou? Como assim?”
”Sim, quebrei. Não tenho mais nada, estou à bancarrota.”
”Está brincando, não é?”
”Não querida, não estou. Fali, devo ao banco em Kursk e Minsk e não tenho para os pãezinhos e o chá de amanhã pela manhã.”
”Mas, e minha mãe?”
”O que tem ela?”
”Tenho que enviar seus rublos todo mês.”
”É pensionista de funcionário falecido do Czar, terá que se virar com o que recebe. Além disso são várias filhas, genros e um bom filho.”
”Mas é minha responsabilidade!”
”Não há como, acabou.”
Dirkolaeiva saiu da sala e cuspiu no piso, da cozinha limpíssima. A bile havia subido a ponto de inundar a boca, com a notícia que Pjotr lhe passara.
Seu companheiro, o forte marido, dos bons negócios, das viagens de resultados, do armazém em Moscou e filial em Petersburgo, da generosidade, dos créditos aos amigos, da mesa farta, do cocheiro sempre presente, das lacaias pela casa a limpar, lavar, polir e cozinhar.
O grande vazio, o amargo gosto da pobreza, a impossibilidade das viagens elegantes, dos jantares e principalmente da ajuda à mamushka, às irmãs e seus incompetentes maridos assim ao amado irmão, Dimitri.
Poeta, jornalista e eterno estudante de medicina. Mas sem um mísero copeque na conta, a depender dela, em plenitude.
Sua irmãzinha que o defendeu até de raivosos e violentos credores com contra-ameaças e pequenos desvios dos valores da casa, que Pjotr fingia não perceber.
Nada mais era possível. A neve silenciou a paisagem, ouviu um tiro.
Krylia entrou em pânico na sala e gritou:
”Sra. Dirkolaieva, seu marido caido, no sangue, parece se matou com a arma do quarto!”.
A ama sem esboçar qualquer ponta de emoção, olhou para a pequena e assustadíssima serviçal dizendo apenas:
”Foi o certo, ele fez o certo!”
Do alemão para o português por H. C. & Mello