Sobre muros, pessoas e sociedade
Por Erica Teixeira, de Salvador
Estive viajando. E viajar é um santo remédio para a alma. No meu caderninho de notas mentais, para cada minuto que perdemos viajando, 150 anos de experiência são adquiridas. Das piores às melhores, é claro. E, para agregar valor ao camarote, resolvi juntar umas nicas, empacotar alguns panos de bunda e terminar minhas férias em terras bárbaras.
No roteiro, feito at the very last moment, minha amiga e eu decidimos visitar Frankfurt, Amsterdam, Berlim e Praga em duas semanas. No frigir dos ovos, dar um “devorteio” (o vôo era direto Salvador para Frankfurt, o que facilitou bastante as coisas). Cidades muito boas, diga-se de passagem.
Em meio ao nosso trânsito Berlim-Praga, contamos 5 horas de trem, nada para fazer e muito a digerir do que foi visto, vivido e visitado. Como bem sabemos: mente vazia, oficina do diabo. E aqui divago ...
Não sei a razão, nunca havia parado para pensar em muros. Acontece que lá, em Berlim, era quase impossível não se deparar com a imponência, importância e dor que o gigante construído conseguiu me causar. Talvez, dentre os poucos locais que visitei nesse globo, esse tenha sido um dos momentos de maior confusão mental de minha vida. Não sei se por indignação, tristeza e até uma ponta de reconhecimento, não consegui me manifestar muito durante meu first date.
1,2 km de memorial, muitas imagens lotadas de significados expressos, subliminares e revolucionários mostraram um pouco do que falta à minha geração: movimentação e representatividade. Enfim, voltemos.
Em termos literais, proveniente do latim murus, muro é uma “estrutura sólida utilizada para separar ou proteger qualquer recinto”. Nisso, me pergunto se muro é ato ou fato: ato porque se constrói, mas também fato porque podemos criá-los sem ter de tocar em um único tijolo ou concreto. Invariavelmente, muro é um produto cuja ordem dos fatores não altera seus malefícios, seja do meio, da sociedade e também do homem.
Mais que grupos, entidades, famílias, muros separam pessoas e até mesmo nós de nós mesmos: sabe-se lá quantos muros já criamos dentro da gente para negar algumas duras realidades...
Sob uma perspectiva um pouco positiva, muito se defende que muros servem para proteger. Mas proteger quem ? Ou o quê ? De quem ? Contra quem ?
Muros representam o ápice da falta de maturidade humana, seja por não aceitar conviver (e aprender) com o que lhe é estranho, seja por não permitir que pessoas se aproximem (independentemente de justificativas) de quem realmente somos.
Rememorando tudo o que foi vivido diante daqueles paredões, muito me admira perceber que a energia que os indivíduos gastaram e gastam mantendo e construindo muros poderia ser exatamente a mesma que poderiam usar para derrubá-los. Felizmente, o de Berlim foi. Pena não ter sido o único.
Se não fui clara, me redimo: não sou contra muros. Sou contra muitas de suas causas e conseqüências. Raramente eles são necessários.
Convivo com meus muros e tenho aprendido diuturnamente com os muros das pessoas que convivo. Dentre elas, algumas conseguem quebrá-los com uma facilidade que, honestamente, invejo. Outras - as que me dão trabalho de verdade - fazem questão de alargar seus tijolos, não importa quantas pedras eu atire. Algumas me fizeram sofrer muito: esse mundo oculto pós-muro que todos escondem é o que, muitas vezes, nos faz enamorar. Mas esse debate é para outra hora ...
Derrube – ou desconstrua - seus próprios muros. Se você não o fizer, a vida (ou a morte) fará as vezes.
Seremos sempre assim ?