Champagne para crianças ?
Por Erica Teixeira, de Salvador
Chegam as datas festivas e nada melhor do que perdermos um pouco da dignidade (e amarras sociais) com boas doses de felicidade engarrafada.
Digo, bebidas.
E quem nunca se entregou às tentações do álcool, que atire a primeira pedra.
Pois bem, ainda que essa pequena introdução faça alusão a um tema, minha preocupação é outra.
Dia desses, deliberando com a matriarca da casa sobre bebidas e comemorações de fim de ano, a sinhôra me fez um questionamento que quase ressoou como ofensa:
- “Filha, vi na Vogue uma matéria sobre mini-garrafas de champagne para crianças: são exatamente como as normais, mas o conteúdo é sem álcool. Como vou passar o ano novo com seus tios e eles vão levar a filha pequena, pensei em presenteá-la com algo incomum e dar uma garrafinha dessa ! Que acha ?”
Bem, a sugestão foi pessimamente recebida pela minha pessoa. E, coincidência ou não, uma das matérias que li recentemente num blog que a-d-o-r-o, chamado Outras Palavras, falava exatamente sobre o poder/influência da mídia sobre as crianças, tema utilizado na prova do ENEM de 2014.
Nesses acasos, fiquei divagando um pouco sobre como chamar esse fenômeno e acho que minha indignação fica nesse poder midiático de “adultização” das crianças.
O tempo, cruel com todos (inclusive comigo), tem encurtado uma momento quase mágico na vida dos pequenos. Vira e mexe me pego assustada com a falta de interesse dos meus primos menores em fazer todas aquelas imbecilidades que fazíamos quando inimputáveis. Esses nanicos nutrem um desejo quase inaceitável de consumir tudo, inclusive o que é inútil.
Ficam enfurnados nas bolhas sociais de falsa-segurança, impedidos de viver o mundo lá fora. E pior: em crescimento exponencial, demonstram apreço pelas coisas que nós, adultos, fazemos, temos ou compramos. Não sei bem se chegaria a soar por demais conservador essas breves palavras, mas muito me incomoda não saber expressar bem aos mais jovens que eles terão a vida inteira para ter as preocupações que temos (e as rugas também).
Fazer da criança um mini-adulto, antes de tudo, é de uma malvadeza impensada: dá-se os prazeres das liberdades sem as responsabilidades que o substantivo implica. Celulares, tablets, computadores, mini saltos, maquiagem, redes sociais, eletrônicos ligados 24hrs ao dia, roupinhas “iguais” ao dos pais, na expectativa (muitas vezes frustrada) de tornar a prole uma extensão de quem somos. E para desgraçar mais ainda a cabeça deles, vem a mídia e os bombardeia de informação, muitas vezes com uma conotação sexual absurda e sem qualquer motivo, circunstância que, acoplada a ausência de maturidade, pode estar cultivando uma geração inconsequente.
Ainda que jovem, tive uma infância invejável. Crescer em roça, roubar manga do pé do vizinho, comer ração de cachorro, destruir os cristais da vovó, apanhar dos 425 primos mais velhos e gostar de brincadeiras de menino me ajudaram bastante. E mesmo sem todos esses aparatos, a atual geração de pais deve refletir um pouco sobre a comodidade de enfurnar seus filhos dentro de casa e ocupá-los com diversões vazias, independentemente de justificativas ou circunstâncias. Se existe um período fundamental para saúde de uma pessoa, tenha a certeza de que é sua infância. Nenhuma outra época nos permitirá sonhar sem medidas, agir sem amarras e viver como se pudéssemos voar com os próprios pés.
Espero que não continuemos assim.