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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Trágicas charges

Por Lamartine Lima, de Salvador

O desenho surgiu com a primeira civilização do homem, e os grafismos da cova de Altamira, de 18.000 anos, hoje ainda nos encantam. Em Pompéia, há 1.917 anos, as caricaturas então colocadas nas paredes continuam a nos fazer rir. Cerca de 17.400 anos depois de Altamira e 1.341 anos depois de Pompéia, há quase seiscentos anos de nosso tempo atual, no século XV, João Gutemberg inventou os tipos móveis, capazes de imprimir letras e desenhos.

Na época em que os holandeses ocupavam o Nordeste do Brasil, na metade do século XVII, eles criaram na Europa as publicações com notícias que traziam ilustrações. Pouco depois da retirada dos batavos do território brasileiro, em 1654, a França invadiu as Províncias Unidas neerlandesas, em 1672, e Guilherme III de Nassau e Orange, o “statuder” dos Paises Baixos, entre outros recursos bélicos, pela primeira vez usou o humor gráfico, a caricatura impressa desenhada pelo seu compatriota Romeyn de Hooge, como uma carga moral, uma arma de avanço psicológico contra os franceses, sobre quem foi vitorioso.

A palavra portuguesa carga tem a tradução inglesa “charge”, que é aplicada aos desenhos humorísticos impressos, às caricaturas gráficas. O século XVIII foi a época áurea das caricaturas irreverentes e ridículas impressas, em todo o mundo. No século XIX, multiplicaram-se os jornais e revistas com caricaturas e a grande utilização da “charge”; até durante a Guerra do Paraguai surgiram publicações ilustradas guaranis que ridicularizavam as tropas da Tríplice Aliança. No século XX, muitas das revistas de humor que apareceram tornaram-se famosas por terem “charges” extremamente ferinas, com diversas intenções disfarçadas sob o humor.

Em época de paz, parece que não houve indagações sobre o que é a simples quebra bem humorada da reverência e o que vem a ser o pseudo-humor ofensivo. Talvez não fossem aprofundados os conceitos de irreverência e de desrespeito. Deve-se partir do princípio moral de que todos merecem respeito para os seus valores. O desrespeito deve ser evitado e a ofensa deve ser combatida. Tudo pelo motivo de poder haver desdobramentos inesperados para o que seria humor desejável para uns e ofensa inaceitável para outros.

Sou absolutamente contrário a qualquer tipo de terrorismo. Nada justifica o terrorismo. Considero o ato terrorista não apenas um ato irresponsável, mas, sobretudo, irracional e que deve ser severa e duramente repelido.

Acaba de acontecer a brutalíssima e muito lamentável tragédia sobre um jornal francês de “charges”, que atingiu toda a imprensa mundial e também todos os homens de boa vontade na Terra. Sou católico, apostólico, romano, referendado pelo Vaticano como Cavaleiro da Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém e, sem medo de “patrulhamento”, devo perguntar: por que, no século XXI, neste mundo de tantas transformações de valores de civilização e de cultura e cada vez mais violento em que vivemos, alguém, mesmo sendo ameaçado de bárbara retaliação física, ainda comete a insensatez de fazer provocação com um humor agressivo sabendo que pode deflagrar uma resposta absurda e imensamente desproporcional e terrível?

Lamartine de Andrade Lima é professor universitário, oficial superior médico da Marinha do Brasil, membro titular da Academia de Letras e Artes do Salvador - BA, e membro correspondente da Academia Rio-pretense de Letras, Artes e Cultura - SP e da Academia de Letras e Artes de Gravatá - PE.

O fim da ironia, do sarcasmo e a volta da autocensura?

A revista não criticava apenas os fanáticos do Profeta...

Comentários (clique para comentar)

- 13/01/2015 (16:01)

Qualquer censura é abominável.