Roedores & Pitbulls
Por Humberto Werneck, de São Paulo
Acontecimentos recentes têm dado especial destaque a dois espécimes de uma fauna não exclusivamente brasiliense.
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Entre as surpresas encontradas no cerrado goiano durante a construção de Brasília, está um tipo até então desconhecido de roedor.
Descoberta em 1960 pelo biólogo João Moojen de Oliveira, a criatura, de pequeno porte e pertencente à família Cricetidae, foi por ele batizada, não se sabe se com ironia ou admiração, Juscelinomys candango. Décadas mais tarde, a americana Louise H. Emmons identificou um parente boliviano desse brasileirinho e o chamou, não de Evomoralys, algo assim, mas de Juscelinomys, sem o candango.
Moojen achou apenas nove indivíduos, como dizem os cientistas, e nenhum outro deu as caras desde então, o que levou o Ibama a incluir nosso Juscelinomys na lista das espécies provavelmente extintas.
O mesmo não se diga dos demais roedores de Brasília, que, longe de se extinguirem, mostram-se cada vez mais prolíficos e desinibidos, ao ponto de ter-se tornado pequena a Praça dos Três Poderes para acomodar tamanha fartura de vorazes indivíduos.
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Ainda no Planalto Central.
Sem prejuízo das penas a que se expôs ao verter grosserias e impropérios sobre a deputada Maria do Rosário e toda a população brasileira, na semana passada, o deputado Jair Bolsonaro mereceria ser punido por um mau comportamento que, infelizmente, a lei não prevê.
Seu destempero veio desempoeirar em mim a lembrança de uma aula na Faculdade de Direito em que o professor, depois de propor um caso – algum bolsonaroque, do alto de um prédio, despejara uma bolsa de excrementos sobre uma senhora que passava –, pediu aos alunos que capitulassem o crime e calculassem a pena.
Não tive dúvida: tão sedento de justiça quanto empenhado em mostrar serviço, condenei o réu a uma larga temporada na cadeia. O mestre (tantas décadas depois, posso ver ainda a sua cara, em cuja acidentada topografia uma enorme, peluda, fremente verruga por pouco não rivalizava com o nariz) encarou com condescendência o aluno ignaro e, balangando no ar um dedo envernizado pela nicotina, sentenciou, orgulhoso de sua pegadinha:
– Não há crime!
Como não?! Uma bolsa de cocô e fica por isso mesmo?
– Falta de educação não é crime! – sentenciou o professor.
Sorte sua que não seja, deputado.
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Não dá para impor o uso de focinheira a pitbulls bípedes, eu sei. É dureza, mas na democracia há espaço até mesmo para quem queira acabar com ela. E mais assustador que Bolsonaro é o exército formado pelos 400.000 eleitores fluminenses que, tendo votado nele, provavelmente endossam suas pitbulices.
Em face da cena político-policial do país, volto a pensar que talvez não seja má ideia proporcionar aos cidadãos, como nos aviões, uma boa quantidade de saquinhos para enjoo.
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Nos anos 50, um deputado perdeu o mandato por ter posado de cueca para uma revista. O que lhe parece mais indecoroso? Aquele strip-tease ou esse, em sentido figurado, que Bolsonaro vem encenando desde sempre, dentro e fora da Câmara dos Deputados?
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O esbordoamento verbal, quase físico, da deputada Maria do Rosário – cujo “crime” foi condenar a ditadura – me lembrou também o que me disse a escritora Isabel Allende, muito séria e veemente, em meio a uma divertida arenga feminista:
– Vocês, machos, não tenham dúvida:quase toda a violência que há no mundo é causada pela testosterona!
Cheguei a me encolher, como na iminência de uma perda irremediável.
– Mas e o sexo? Sem testosterona, como é que fica?
(Isabel tinha acabado de publicar Afrodite, delícia dedicada aos prazeres da cama e da mesa.)
– Problema nenhum – volveu ela, triunfante. – Quando for o caso, a gente libera um saquinho igual a esses de adoçante, pra vocês porem no café.
Fica a sugestão: se um dia vingar, transformada em lei, a proposta da Isabel Allende, estejam os bolsonaros, com ou sem mandato, proibidos de tomar desse café turbinado.