Pobres animais
Onde ganho meus parcos cobres, fabricam-se equipamentos de processamento parcial de rações para animais de estimação, o famigerado e caro “pet food”. Aquele qualquer dono "muderno" de animais jura ser a melhor e única forma de se alimentar o sofrido totó ou gato.
Basicamente são compostos de farinha de peixe, restos de abate de frangos e bois, soja e sal.
Dizem o pêlo ficar perfeito, os dejetos quase poderem ser descartados sem sujeira, pois ficam ‘sequinhos’ e por aí vai. A propaganda na TV garante até o mais simples caseiro do interior da Paraíba pedir ao patrão a ração ensacada, “da hora, dotô”.
Ninguém obviamente pergunta nada ao “cliente”, pois esse, e aí quero chegar, hoje entra involuntariamente na sociedade pós-moderna e digital como quase parte das famílias, sem poder se manifestar não querer nada daquilo.
Sem poder desejar, sem opinar.
Cães, gatos, peixes, cavalos e pássaros sofrem terrivelmente com nossa estranha compulsão de tê-los ao nosso redor. Desde a paranóia da segurança, do esporte à maluquice da “companhia”.
Não acredito deva existir algo pior para pássaros do que lhes tolher a liberdade de voar, enfiados em mínimas gaiolas. Ou marchar sobre duro asfalto com pessoas de 85 Kg sobre si e desconfortável sela apertando a barriga, por horas.
E pobres peixes dourados nadarem em círculos malucos todo o tempo, sem nem ao menos ter o desafio de procurar seu alimento no lodo de um rio. Ou papagaios e araras com as asas mutiladas, talvez acorrentados, apenas pela nossa paranóia de olhar sua beleza, ouvir seu estranho canto a imitar-nos.
E os cães, a grande maioria, descendentes dos lobos socialmente agrupados em matilhas, presos por coleiras a passear como brinquedos, e sempre solitários, convivendo doentiamente com outra espécie, opressora, nós humanos, alimentando-se sem procura com farinha de peixe processada, a engordar e estressar-se profundamente, com horários malucos a observar, para “passear”, fazer o “totô”. A piorar tudo isso, se macho, ser eventualmente castrado para conter a sexualidade.
Ou como em Nova Iorque, ter suas cordas vocais cortadas, para deixar de latir a não incomodar vizinhos...
O processo imbecil todo girando bilhões de dólares, engordando os cofres de quem não tem escrúpulos em permitir milhões de humanos tomem sua liberdade, o maior bem roubado dessas pobres criaturas.
Solitárias, enfiadas em quintais exíguos, apartamentos apertados, sem companhia de iguais a maioria delas. A ouvir imbecilidades de donos como “tá com fominha, é nenê?”
Seu olhar torna-se opaco, se adultos deprimem pelos cantos, viram máquinas obedientes comendo ração. Fomos adiante, usando-os em experimentos científicos, atiçando seus instintos como cães de ataque e guarda, mandando-os ao espaço como a cadela Laika, ou aquilo derrubaria todos meus argumentos, pela “humanidade” dos animais, treiná-los loucamente, repetidamente como os cães para cegos, já que nós não temos tempo para ajudar às pessoas com a deficiência, nossos iguais.
Manifestam-se discretamente contrários os pobres animais. Adoecem, fogem quando jovens, atacam seus donos em muitos casos.
Todavia insistimos, pois quem resiste à propaganda de cachorrinhos e nenês juntinhos, seja para a ração de um ou a fralda de outro?
A lembrar o lado social: o veterinário de “pets”, como fica? Os cuidadores e passeadores?
E os fabricantes das rações com suas centenas de empregos?
Somos assim, enganáveis. Pensamos estar “cuidando” de um animal e na realidade o torturamos, impingindo a ele modo de vida humano. Coisa nossa, repito, somos assim.
Libertamos da opressão os escravos no passado, talvez nos conscientizemos um dia libertar os cães, os peixes, as aves ornamentais e gatos, para viverem entre si, na procura de seus alimentos.
Livres. Longes de nós, como fazem os poucos lobos, os restantes e raros cavalos selvagens e, ainda bem, a maioria das aves...