Tempo de Compliance
Por Heródoto Barbeiro, de São Paulo
Algumas declarações se tornaram famosas porque foram registradas pela história, outras foram atribuídas a personagens famosos. Todo mundo se lembra de “ se é para o bem estar de todos e a felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”. Há aquela outra “ saio das páginas da vida para entrar nas páginas da história.” Ou “ no bolso desta calça nunca entrou um tostão do dinheiro público.”
Ou ainda “ estupra, mas não mata.” Os autores dessas frases ficam por sua conta. Lembro-me de um jovem e impetuoso ministro da Fazenda, que disse alto e bom som no Roda Vida, quando eu apresentava o programa:” quem roubou, roubou, quem não roubou não rouba mais.” De todas essas frases a que mais caiu em desuso foi essa última. O noticiário, municiado pelo ministério público, justiça, policias, controladorias, tribunais não dá trégua, é roubalheira em cima de roubalheira. Os mais exaltados culpam os jornalistas pela difusão da malandragem, do mesmo jeito que culpam o termômetro pela febre do paciente.
O mundo corporativo por seu lado produz também suas citações famosas e absolutamente distantes do que praticam no dia a dia. Ou seja dão uma força considerável para turbinar o processo de corrupção na sociedade. Para isso usam de todo o treinamento possível e dos mais recentes expertises para se aproveitar de situações. Algumas lançam esse ganho no seu demonstrativo e remuneram melhor os acionistas. Outras enchem o caixa dois e deixam o numerário para despesas não contabilizadas como propina, aluguel de avião para transportar político, brindar funcionário de alto escalão, bancar viagens, festas, jantares e encontros com garotas selecionadas. Isto tudo não cabe no manual de complience que distribuem interna e externamente. Por isso o caixa dois é útil para os negócios. É uma ferramenta que existe,mas não é reconhecida nem nos balanços, nem nos manuais. Afinal é desse manancial que jorram as contribuições para as campanhas de partidos de todos os matizes. Da esquerda à direita todos recebem.
O século 21 vai ser o século da ética, dizem os manuais. Pelo jeito o século ainda não começou para as construtoras de São Paulo. Em mais um escândalo são suspeitas de torcerem os fiscais para pagamento menor de imposto. De um lado o crime de sonegação, de outro o de corrupção de funcionário público. Roubavam a população. Assaltavam a sociedade. Além de ganhar pela venda do imóvel, aumentavam o caixa desonestamente, com o dinheiro que falta para escolas, creches e postos de saúde. Com a cara de pau tradicional o trade se manifesta e assume o papel de vestal. Ninguém está autorizado em falar em nome da entidade, diz um comunicado oficial. Todos se escondem sob o guarda chuva da associação e o público tem dificuldade de visualizar quem são os éticos e quem são os bandidos. Nos seminários de complience estarão todos lá na plateia com cara de santo, outros mais ousados vão fazer parte das mesas com apresentações em power point coloridos, com lindas paisagens, crianças sorrindo e frases abstratas sobre como ser uma empresa cidadã e ética.