Adeus vesícula querida!
Sou essencialmente covarde, desde pequeno. Isso me incomodava diante de certas situações, como por exemplo assistir A Branca de Neve de Disney. Penso era no tal Cine Comodoro, sumido, na garbosa Av. São João, imenso. Antes do início da seção, o temível sino anunciava a calamidade a vir.
E, endossado pela mãe, nas cenas "fortes" escondia o rosto (como quando a rainha-bruxa oferece a maçã, ou, belíssima, pergunta ao espelho idiota quem seria a mais bela; onde Disney agradou aos pais adultos; e qualquer homem completo preferiria a bruxa malvada à boboca, insossa Branca, a incitar apenas o desejo dos estranhos anões).
Em Os Três Patetas e os Marcianos quase entro em colapso. Meses, anos, pequeno imaginava na calada da noite os mostrengos entrarem pelo meu quarto.
Nunca ocorreu, é claro... Por esses dias, desconfiado de algo errado, com a pressão nas " ventas " aumentando, uns estranhos desmaios, varri o que me restou de sanidade e minúscula coragem a um montinho, esse levei ao gastroentereologista.
Desconfiança certa, o sujeito decretou o aborto da entupida, empedrada vesícula biliar e, com certo gozo pela fraqueza de nós gordos, julgou: "...e a hérnia do hiato, bonitão, nem pensar não fazer". Chama a todos de bonitão, nota minha.
Em uma semana operaria.
Foram os piores dias da minha vida esse aguardar. Imaginei as flores do meu enterro, a viúva conformada, com lamento "ele que resolveu operar-se", a sogra completando "... sempre foi meio maluco, Deus quis".
E por fim ocorreu, 5 horas de tecnologia do século XXI, senhores competentíssimos e o pânico pelo evento de minutos após entrada na sala da cirurgia resolvido com um tal de Dormonid. Se não fosse controlado, eu tomaria todos os dias, a dormir... No estilo Michael Jackson...
Ao acordar após o açouguento evento, olhei à direita e no lusco-fusco do dia procurei alento além das paredes do hospital.
Céu de rainha má de Disney, minha querida cidade visível.
Saquei da segunda vesícula da maioria de nós humanos metidos a modernos, o celular, e bati a foto.
A guardar para sempre o momento pós-pavor, a alegria de estar bem e vivo.
Mesmo que covarde e em dia chuvoso.
Somos assim.