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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Humores...

Penso de alguma forma esdrúxula e os psicanalistas certamente saibam, por caminhos que desconheço, acaba-se às vezes confrontado com pessoas de algum ou constante mau humor.

Já criança, a ira com continuado péssimo estado de espírito do meu pai era mais a regra que exceção. Filho único, filho da guerra, filho de mãe solteira e sei lá que outras filiações o deixavam sempre ranzinza. A nós seus filhos pouco tinha a dizer, quando nos entendemos como adultos faleceu. Hoje posso completar que a rigor menos o conheci, quase nada.

Uma irmã, nas complexidades da adolescência, era pouco afável no trato. Filha de peixe... , o irmão era seu ralo de dejetos. Uma cicatriz na língua e alguns quelóides nos braços são a prova física de seus repentes impacientes e menos carinhosos. Queria distância do jovem, vulgarmente o pentelhinho.

Isso é normal.

Os pais porém insistiam de forma falso moralista que esse a acompanhasse em seus tours joviais, festas e viagens ao exterior, pelos “bons costumes”. O que a deixava irritadíssima.

Quando aprendi a driblar as atribuições chatas de empossado irmão vigilante, melhorou um pouco a relação. Jovem, imigrou para outro país, nos distanciamos, hoje somos quase formais no trato. E seu humor ótimo!

A mãe, também filha da guerra, apressava-se em dizer para se possível eu a deixar em paz para estruturar sua nova vida. Após a viuvez o humor melhorou um pouco, porém desejava não ser cobrada das tarefas de mãe, que por tanto anos resolveu, sem entusiasmos ou bons ares.

Com muito mau humor na verdade; principalmente no que odiava: a culinária diária ou levar e buscar da escola distante, repassada a tarefa ao marido e anônimos motoristas de ônibus.

Algumas namoradas alegravam o cotidiano, porém nos muitos momentos se mostravam humoradas ao avesso, raivosas até, por não atender ao inegociável desejo de ir "àquele" restaurante, "àquela" viagem, procurei espaço. Regra de ouro, pois de constante péssimo humor me bastavam os parentes e alguns colegas de trabalho, que despedi, sem choro, não só por isso. As cobranças das namoradas às vezes eram intensas e as desculpas minhas, para nem sempre atender, raramente compreendidas.

A lembrar a divertida frase, namoro e casamento ser a relação entre dois seres, um aquele sempre tem razão (e em média sofrível humor) e o outro o marido...

Certa criatura, de Goiânia, ao me formar, apareceu com um vestido completo para a festa, sentou com minha mãe e explicou aquilo era algo importante, deveria por favor haver compreensão pelo pesado investimento feito e o já próximo casamento, acertado, precisaria de algo mais sofisticado, não o simples vestido do Cerrado...

Na mesma noite expliquei à criatura não ter nada disso em mente, não havia pedido meu nenhum. E, num estrondo de péssimo humor, quase me agride. Nunca mais a vi, apesar de ligar algumas vezes tentando explicar “imaginou que...”

No trabalho há certo equilíbrio, para o lado positivo, a maioria das pessoas que comigo trabalham o fazem com leveza. O ritmo não é intenso, levo as questões do trabalho de forma menos despótica e cruel do que administradores profissionais, homens que precisam sempre mostrar posição firme.

Herdeiro, esse comportamento de chefe profissional passou ao largo. Dizia meu bom amigo Ricardo, e Manitou o vele em paz, “você nunca soube o que é fazer a própria cama ou tomar banho frio...”, a justificar a razão dos hard bosses, cobradores, terem seu espaço tão disputado, durões, levando sempre à frente o invisível cartaz "Eu me fiz por mim mesmo" ( o que é impossível, segundo Freud, em quem confio mais que Peter Drucker, por exemplo).

Excetuado o chefe de produção, sujeito eternamente zangado e mal humorado, por obscura razão, os demais estão e vão bem.

Quando o limite que me imponho com ele é alcançado, sugiro procurar outra praia. Recolhe-se, aparentemente repensa e mesmo aturdido com o humor sofrido e sofredor, em esforço que percebo grande, sorri amarelo como Napoleão sabendo do exílio... mas cada olhar seu apenas exprime o “vá-se-foder-palhaço”, comum na relação subalternos com chefes.

O bom humor penso ocorre com os filhos (e seus companheiros e amigos, mais alegres que a média dos paulistanos antigos). Um traço genético também herdado do avô materno que bem conheceram, baiano sincero e aberto, sem tons escuros nas relações.

Porém não se explica a questão, misteriosa para mim, de muitos se manifestaram de forma tão negativa, às vezes tão próximos como companheiros e companheiras, mães, pais, avós, filhos, netos...

Uma moça que conosco trabalha certamente deve ter nascido em cima de um mandacaru no Piauí, tal a revolta e péssimo humor.

Um cunhado, à menor menção de problemas com algo não deseja resolver, dissolve-se em gritos via Embratel. Hoje só me comunico por mensagens de celular, para evitar a falta de paciência dele comigo.

O modesto guarda da rua, ao atraso de 1 ou 2 dias com o aquilo quer receber de “soldo”, ao passar por ele, já detona gestos de impaciência com menção de dinheiro, esfregando polegar e indicador.

Talvez eu seja um grande chato mesmo, a provocar a ira dos circunstantes. Por nem sempre saber ou poder liberar o solicitado ou desejado e infelizmente minha tarefa ser regular, de forma haver para todos, coisa do administrador mesmo não profissional como eu.

E com isso nem sempre cumprir as tarefas exigidas com todo entusiasmo jovial como marido, irmão, filho e gerente, o tempo todo, todo o tempo, nem também tolerando sempre o inferno astral dos demais? Invejar minha avó, que bombardeada, operada de um câncer em um bunker, sem companheiro, sem teto, sem parentes que a acolhessem, contava a história se divertindo, dizendo nada daquilo ter sido de fato um problema, conquanto tivesse um Schnaps no fim do dia e um único cigarro? Ou seu alter-ego por cá, nossa incansável Edileusa, que nesses 30 anos por aqui como nossa fiel colaboradora penso ter visto triste uma única vez, com o humor abalado, quando da morte de sua irmã? De resto, faça sol ou chuva, falte luz ou água, com Collor ou Dilma, nada merece uma gota de mau humor dessa formidável criatura.

Enfim, o mau humor persegue a muitos, pelo visto somos assim. Mas confesso tenho me enchido dessas criaturas tão cultuadoras disso, talvez o momento de repensar melhor a relação com elas, modernamente...

Afinal se o povo foi às ruas, por que só os políticos, os corruptos e os violentos devem ser espinafrados?

Por que não os mal humorados também?

Quando os fotografei, acabavam de ser demitidos, sem os "direitos" pelo vizinho... Riam, felizes indo à nova vida. Mau humor é para os fracos?

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