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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Um vaqueiro extraviado

Por Osires Rezende, de Ipiaú, Bahia

O motorista do ônibus que me conduz ao trabalho, desconfio que seja algum exilado e nostálgico vaqueiro de algum pé de serra perdido do sertão; eu o cumprimento discretamente: "bom dia mestre.’ Ele dá um grito:

‘BOM DIA DOUTOR! TUDO BOM?’ Como se estivesse montado num pangaré tocando gado: “ENTRA PRA DENTRO! BOI VEI LEXENTO!”

Ele é solicito com os passageiros, especialmente com velhinhas, mas fala alto como se estivesse numa peleja entre cangaceiros e macacos das volantes. Agora já me acostumei, mas dirige de uma forma que me deixava sobressaltado, curvas e freadas bruscas:

“SAI DA FRENTE BRUACA VEIA BARBERA!” “PESSOAL VOU FAZER UM GATO AQUI SENÃO A GENTE NÃO CHEGA.” Para contornar engarrafamentos e quase sempre dá certo.

Então eu comento com a cobradora; “é uma figuraça, não é?” ela ri, cúmplice: “o senhor precisa ver quando ele bebe.” Aí no outro dia depois das saudações de praxe eu digo; ‘ô rapaz, uma hora dessas precisamos tomar umas pra você me ensinar umas coisas.’ O sacana dá uma risada e aumenta o tom da voz:

“AHH! DAR UMAS BICADAS NUMA PINGA BOA É COMIGO MESMO! É DE LEI. O SENHOR TAMBÉM GOSTA DOUTOR? É BOM DEMAIS.” Os passageiros se divertem discretamente.

Fico matutando um método psicanalítico, não sei se eficiente, mas pelo menos inovador; ele conduzindo um ônibus, em vez de divã, o analisado sentava-se numa cadeira vizinha e o analista seria o cobrador para induzir confissões públicas, tão estapafúrdica idéia me veio depois de uma fala do meu provável futuro parceiro de boteco.

Acomodei-me e fiquei observando, tentando me instruir um pouco mais, depois de uma queda de asa digna da fórmula um, ele coça a cabeça, dá um murro no volante e comunica ao universo, rindo gostosamente:

“MANDEI A MULÉ EMBORA! TAVA ME PERTUBANDO DEMAIS! A BICHA ME TIROU O COURO! SÓ ME DEIXOU UM COLCHÃO E UM FOGÃO VELHO! PELO MENOS NÃO TÁ ATAZANANDO MAIS MEU JUÍZO! ESSA NOITE FIZ UM PIRÃO, NEM CACHORRO COMIA, NÃO SOBROU NADA, RAPEI A PANELA.” Acelera o ônibus, dá um tapa na barriga e uma gostosa gargalhada. Olho os passageiros que parecem constrangidos.

Bem, não sei se a coisa ia funcionar, mas talvez depois de umas três viagens o analisado ia se sentir encorajado a confessar publicamente o seu secreto desejo de matar o pai e transar com a mãe; e isto o libertaria da frágil angústia que infelicita sua fracassada existência.

Um vaqueiro de modos curiosos ou um motorista mais exaltado? Divirtam-se com esse caso de Osires.

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