A Vingativa
Por Galindo Luma, de Salvador.
Nosso namoro era só alegria. Nos divertíamos muito e só pensávamos em mais diversão. O que vivíamos parecia ser o que se chama de felicidade plena. Ela adorava ir para o Beco de Gal nas quartas-feiras. Esse espaço de samba e bebidas ficava numa avenida de vale em Salvador, a Vasco da Gama, onde a turma da balada tomava todas até altas horas em pleno meio de semana. Suzana era conhecida no local por ser a primeira a dar os passos do samba, para aos poucos a pista ficar lotada de gente de bem com a vida. Gostava ela de usar saltos altos e roupas brancas, ora saias curtas, ora shorts brancos bem apertados. Uma negra pra turista e nativo algum botar defeito. Nos finais de semana quase sempre íamos para a praia de Itacimirim, onde nos hospedávamos numa casa que alugávamos bem em frente ao mar. De lá seguíamos para a movimentada noite da Praia do Forte. Quando voltávamos, em plena madruga, tomávamos banhos de mar nus. Sempre nos certificávamos se tinha alguém por perto, receosos de nossas emoções em águas mornas virarem sucesso nas redes de computador.
Já estávamos namorando há pouco mais de um ano quando veio a notícia ruim: o marido dela fora transferido para Macaé, funcionário que era de uma terceirizada da Petrobrás, onde ele passava 15 dias por mês e agora passaria o mês inteiro. Perder a companhia daquela morena por conta da vida profissional de um burocrata foi para mim como perder um ente querido, mas a vida nos reserva surpresas ingratas e não estava eu, confesso, preparado pra assimilar aquele duro golpe. "Por que logo eu ser vítima de um marido que a cada ano tem de trabalhar num estado diferente? por que esse fracassado não fixa trabalho numa única cidade?", pensava eu.
O pior é que perdi o contato com ela, que não mais me ligou e os números que tinha não mais atendiam. Aos poucos fui me conformando. Até tentei falar com uma amiga dela que vez por outra nos acompanhava nas farras. Num encontro com Mariana num barzinho da Ribeira eu tive mais dissabores. Ao invés de informações sobre Suzana a moça desabou a chorar. Disse ter descoberto que o namorado era bissexual. - E qual problema há nisso? - Eu não admito que o amor de minha vida goste de homens - E como você descobriu? - Ele próprio me pediu para usar um vibrador nele. E aí foi me contando os detalhes de como fora aquela descoberta e sempre aos prantos, chorando bem alto. E disse ela que chorava o tempo inteiro por onde andava, que não saía da cabeça aquele pedido insólito. Eu a aconselhei: - Querida, não fique chorando em público, isso vai demonstrar fragilidade sua para as pessoas e isso não é bom. - E ela: - Mas eu não posso chorar em casa. – Por que? - Porque meu marido vai querer saber o motivo e pode ficar mais difícil ainda minha já complicada situação.
Mari também perdera o contato com Suzi. Não me interessava mais ficar ouvindo lamento de mulher revoltada com vibrador. E voltei à vida normal, dando mais atenção à minha noiva, uma mulher adorável a cuidar dos preparativos de nosso casamento. Eu não queria, mas era uma obsessão pra ela. Cristiene nasceu pra casar, queria passar pelo roteiro tradicional - cartório, igreja, festa etc, coisas que eu repelia, mas que em nome da família até admitia a possibilidade. E família é uma instituição que sempre devemos valorizar, pois não existe ambiente saudável sem uma delas estruturada.
Dois anos se passaram e nenhuma notícia de Suzi. Nunca saía da memória nossas noitadas, nosso sexo maravilhoso, nossa alegria de viver. Até que um dia recebo uma ligação dela. - Você tá onde? - Em Macaé. - E o que aconteceu querida? - Preciso te ver, falar contigo urgente. Você pode vir ao Rio? - Mas é claro, pego o primeiro vôo. E peguei. Fiquei hospedado num hotel no Leblon, onde estava hospedada Madonna, que faria um show na cidade. Muita confusão na porta, fila de fãs etc. Eu só a encontrei no dia seguinte na beira da piscina. Suzi ficou muito feliz em ver a pop star de perto. Ela viera de Macaé, mas só podia passar um dia e uma noite comigo. O marido fora para uma plataforma e estaria e volta no dia seguinte. Estava grávida de seis meses, uma grávida belíssima. Os turistas, a turma da retaguarda de Madonna não tiravam os olhos daquela negra de biquíni branco e barriga saliente. Acho que os hóspedes olhavam mais para ela do que para Madonna, que não é lá essas coisas que a gente imagina. Não trocaria minha nega por aquela branquinha debochada.
Quando Madonna subiu aos seus aposentos passou perto de nós e deu um beijo na barriga de Suzi, cena fotografada por todos que lá estavam. Com a saída daquele batalhão de assessores o ambiente ficou mais tranquilo e assim iniciamos nossa conversa. Suzi estava revoltada com o marido. Descobriu que ele estava mantendo relações com outra mulher, o que ela já desconfiava havia tempo. E me contou que antes de casar, o maridão era noivo da melhor amiga dela. E que ele jurou fidelidade a ela - o que não ocorrera com a amiga. - E como você descobriu querida? - Ontem eu vi um e-mail no computador lá de casa com uma foto do pênis dele ereto com a seguinte mensagem: - minha linda, aguarde que logo será só sua. E eu própria já tinha recebido esse mesmo e-mail antes dele largar a minha amiga. É um canalha aquele filho da puta! Ela começou a chorar e eu a convidei a subir para o apartamento com aquela vista maravilhosa. Foi um momento muito desagradável naquela tarde carioca. Comovido com a situação também chorei bastante. E chorávamos, bebíamos e transávamos, transávamos, bebíamos e chorávamos. E ficamos no choro, sexo e álcool até o dia amanhecer, o que nos deixou exaustos. E cheguei à conclusão nessa experiência dolorosa de que é bom chorar quando estamos a sofrer. E devo confessar que sofri bastante com o sofrimento dela, pois quando uma pessoa que amamos sofre, a gente sofre também. Então, estou a recomendar que fazer amor, beber e saborear o litoral fluminense ameniza sofrimento de vítimas de adultério. Eu torço para que ninguém sofra para utilizar a receita, mas sofrendo, eu garanto que ajuda bastante.
Mas as coisas não são como a gente quer. Ela se reconciliou com o companheiro e novamente desapareceu. Meu entusiasmo achando que teria aquela criatura a chorar ao meu lado por outros momentos se esvaiu. E mantinha a vida rotineira com Cristiane, sempre sonhando com a negra de Itapagipe. Passados 12 meses, recebo outra ligação dela. Já estava em Natal, para onde o marido fora transferido. E perguntou se eu podia ir lá com urgência. - Só se for no primeiro voo. E estava eu hospedado num luxuoso hotel da Praia de Ponta Negra na tarde daquele dia, quando a menina chegou na recepção: - O que foi dessa vez querida? - Eu encontrei uma foto de uma xoxota loura no celular dele com a seguinte mensagem "é toda sua meu amor". Esse cara é um canalha! - E começou a chorar. E subimos pro apartamento onde uma deslumbrante paisagem nos confortava. E assim repetimos o que ocorrera anos antes. Choramos, trepamos, trepamos, choramos e nos intervalos uma skol bem gelada que ninguém é de ferro.
E descemos para a praia, já entardecendo, naquele belo dia de sol. - Querida, por que quando você flagra tem essa idéia de me ligar? - É porque eu quero me vingar desse sacana e você é a pessoa mais agradável que conheço para me confortar nesses momentos. Algum problema? - Em absoluto, linda, eu só queria que encontrasses flagras com maior frequência. E ela sorriu. O sol estava se pondo e ficamos na praia até o anoitecer, e lá, em frente ao Morro do Careca, fizemos amor nas calmas águas do litoral potiguar.
Nos encontramos mais algumas vezes. Na última, em Recife, fiquei sabendo que ela descobrira uma foto da bunda de uma mulher na máquina fotográfica do marido. E ela trouxe pra me mostrar. Quando olhei direito percebi que conhecia aquelas nádegas. Examinei, examinei e... não tinha dúvida: eram de Cristiene, minha noiva. A vida é assim...
(*) Galindoluma trabalha em lavanderia de motel.