Vergonha...
Penso nessa vida passamos por momentos nos arrasam, sem machucar porém. Onde a vergonha é algo instantâneo, obviamente causada por alguém ou por algo imprevisto. De tempos em tempos qualquer um de nós é exposto a tal, por mais se precavenha. Outros provocam o tema, profissionalmente: políticos, palhaços e atores.
Fiquemos com os não profissionais.
De certo todos revivem essas situações, a ponto alguns reruborizarem da lembrança. Eu, em voltando de casa para o escritório após o almoço, recordei algumas. Não perguntem a razão.
Jovenzinho, carta de motorista novinha à mão, carro do pai emprestado a ir à faculdade, parado em farol da nossa sofrida avenida Pacaembu.
Idos de 1975, o uso do cinto de segurança era coisa de grandes babacas. Ninguém o fazia, nem lei era.
Porém o panaca aqui havia visto em certa viagem a Gringolândia ser hábito e como o carro possuia os tais, resolveu usar.
E com aquela cara de esperando-o-farol-abrir, cinto atado e pensando em nada, ouviu um "psiu".
Virou-se e viu uma senhora, dobro de sua idade, num desses carrões, vidro aberto, cigarro aceso, passar a mão cruzando os próprios peitos indicando o tal cinto e detonar:
- "Vai decolar, comandante"?
Não sabia o que dizer, nada respondi, vermelho como pimentão de mostruário de feira livre. Abriu o sinal, a moça seguiu (pois é, o dobro da minha idade à época e ainda era moça) gargalhando do bobo usava cinto; e eu com cara de ânus continuei meu caminho...
Situação similar (muitas envolvem as diferenças entre os sexos), em avião para visitar a avó na Alemanha, novinho também. Acompanhando o pai.
Que reconhecido por antigo amigo, figurão de multinacional, o chamou para uns drinques na primeira classe do vôo Lufthansa. Coisa de muitas horas, o cara gostava de beber e meu pai do amigo.
O Hermógenes quietinho em sua poltroninha no fundão, esperando o passar da longa jornada sobre o Atlântico. A aeromoça tedesca de tempos em tempos surgia e perguntava se precisava de algo, pois eu era dos poucos acordado e, penso, fazia parte de suas tarefas suavizar a chateação dos insônes. "Uma água para a boca sêca?" e outras amenidades, profissionais.
Retorna meu pai, alguns drinques na cabeça, coisa raríssima pois era um contumaz abstêmio. E no exato instante a moça a perguntar algo talvez a mim necessário, e encurtar o tempo na aeronave, o homem detona para a chucrute:
- "Gostou do moleque, não é? Ele é meio tímido, mas vá em frente..." no seu alemão, mais alemão impossível.
Doeu nos ouvidos.
Se as janelinhas abrissem, pularia naquele instante, 35.000 pés em direção ao oceano, sem remorsos.
Todavia a moça, provavelmente acostumada com os pentelhos bêbados a bordo, sorriu e nada disse. Na escala em Casablanca, ao pé da escada, me olhou com certa dó, no estilo sei-como-é-também-tenho-pai...
Mais adiante, em hospital da Zona Norte, o tal Presidente, fui convocado pelo pai a cuidar da esposa, minha mãe, após operação de remoção da vesícula. Ele sempre muito ocupado para tal, claro.
E chegada da cirurgia, dopada ainda, fiquei em pé ao lado da cama, de plantão. Não havia cadeira a sentar, de tão vagabundo o hospital. Lembro-me parte estava em obras.
Entra a enfermeira, mexe dali, mexe daqui, arruma aqui, arruma ali e se aproximando cada vez mais.
Eu me esquivando discretamente, era minha mãe ali deitada, poderia acordar a qualquer instante.
Nem imaginava existir aquilo, o assédio pelo lado feminino. Porém a senhora de branco investia e em certo momento colocou a mão onde não deveria e a outra em sua contra-partida. E sofejou algo como "vamos resolver isso, eu não agüento".
E, claro, nesse instante minha mãe acorda da anestesia e a cena vê é o filho segurando a mão da criatura de branco, por sua vez com a mão no impublicável...
Jamais nada comentou, todavia eu lembro senti o sangue pular à cabeça. Foi horrível, imaginei nunca mais poder olhar para ela.
Para os curiosos: no dia seguinte a senhora da enfermagem foi triunfadora, era criatura insistente. E eu um sem vergonha, ironicamente.
Enfim, dizer o quê... Somos assim, não é?