O cerne da questão
Por esses dias ando lendo do grande Graham Greene o livro “O cerne da questão” (1948), por aqui pela Globo Livros, no original pela Penguin Books. Livro, diria, colonialista com pitadas de autocomiseração. E afagos católicos, a grande questão do autor, fervoroso praticante, incomum para um inglês.
Porém diante de robusto achaque por fiscal do ICMS aqui na empresica onde trabalho, e o garimpado pedido de corrupção, atentei para frase no livro, a me fazer pensar.
Traduzindo livremente, diria ser talvez: “A pior corrupção não é a monetária, a financeira, por bens ou materiais, porém a sentimental.”
Graham a coloca como dúvida em personagem do livro, Major Scobie, e sua dificuldade com a apreensão em navios neutros de correspondência destinada à Alemanha, por volta de 1940. Censurada e denunciado o remetente.
Porém, no livro, o capitão português do navio aportado na fictícia colônia na África Ocidental implora, a carta à sua filha vivendo em Berlin não seja confiscada. Não teria como escrever outra em Lisboa, nem enviar; algo assim. Implora com ênfase repetidamente, oferece 100 libras para aquelas palavras escritas não serem destruídas, nem o teor inocente ser lido e ele denunciado como inimigo pela prática nefasta de escrever cartas com destinos finais na Alemanha.
O final dado à carta deixo ao leitor do grande escritor averiguar. Porém a chantagem sentimental e a corrupção decorrente são de fato piores que a comum, digamos, por valores.
O criminoso que aqui nos achaca (li em algum canto o ato de criar dificuldades e proporcionar facilidades contra dinheiro, no serviço público, a tal concussão, é crime), todavia vem preparado, com a faca ao pescoço das vítimas.
Nada tendo achado em sonegação (quase um esporte de nosso gerente administrativo evitá-la), o bandido revirou os registros eletrônicos devem ser fornecidos para a fiscalização, e entre os 20.000 achou alguns com o código de material incompleto. Exatos 4.
Um erro de 0,02%. A alíquota do imposto é a mesma, note-se, não houve dano ao erário.
Mas bandidos desse naipe obviamente não trabalham sós, e a legislação informa nesse caso, sobre os dois anos de movimento, será aplicada multa de 2%...
Pouco?
Não, não é. Digamos o leitor receba 15.000 reais brutos e por ter escrito salitre onde é sal, apesar de impostos iguais, tiver que pagar 2% sobre 15.000 x 26 = 390.000 reais?
7.800 reais.
Metade do faturamento (ou salário) de um mês...
Com a sugestão contígua dele quebrar-o-galho, diante dos não menos bandidos advogados tributaristas e seus custos pornográficos, resta ceder ao achaque, corrompendo.
Porém ao contrário da corrupção sentimental, infinita e pesada, às vezes até de alguém próximo, a física, monetária, é indolor e esquece-se com certa rapidez.
Estamos comprando notas fiscais ilegais para trocar em valores e pagar o fiscal do ICMS (só aceita dinheiro em espécie, não querem rastros).
Entretanto para apaziguar aqueles nos corrompem sentimentalmente, não há valores. Assim nos conformamos e sofremos com o crime d´alma...
Somos assim.