Foto do Hermógenes

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Militares

Um bom amigo, de muitos anos e militar reformado, repassa seus pensamentos sobre a questão, em visão dir-se-ia crítica e pragmática. Polêmica surgida a partir de piada outro velho amigo fez com Hermógenes, dizendo Emílio Garrastazu Medici ter sido "seu herói", o que o velho Hermó rebateu, com divertida veêmencia, sugerindo que seus heróis fossem talvez o Almirante Barroso, a Anna Nery, o Marechal Deodoro e "engoliria" até Getúlio Vargas, porém dificilmente o soturno Medici.

Militares.

Por F.J.U. Taborda, do Rio de Janeiro.

Governos fortes, com muita frequência, pecam no quesito democrático. Militares, por definição, não são pessoas muito democráticas.

Como disse o Gene Hackman no filme Grimson Tides (Maré Vermelha) “Nós não fomos feitos para praticar a democracia, mas para defendê-la.”

Cool, isn’t it?

Vamos, então, falar um pouco sobre o democrata Getúlio Vargas (que você até "engoliria", como marcou), período de 15 anos em que ele foi o chefe da nação.

Em 1930 meu avô era coronel e comandava o 2º Regimento de Artilharia Montada, então baseado em Santa Cruz (subúrbio do Rio de Janeiro – essa unidade não existe mais e, hoje, o quartel é sede de um Batalhão de Engenharia de Combate). O 2º RAM foi a única tropa da Vila Militar a ser mobilizada e embarcada em trem da Central do Brasil para dar combate aos revoltosos quando, ainda, se aproximavam de São Paulo. Sem o apoio do Comandante da Vila Militar e do, então, Ministro da Guerra que, apenas, o liberaram para dar combate aos revoltosos por conta e risco dele, ele desembarcou a tropa e a fez recolher ao quartel. A artilharia precisava do apoio de uma tropa de infantaria ou cavalaria para ocupar o terreno. Sem esse apoio, qualquer ação poderia se transformar em um inconsequente derramamento de sangue. Como recompensa, a junta provisória o destituiu do comando e o colocou na “geladeira” por 2 anos.

Em 1932 ele e meu pai se uniram aos paulistas na Revolução Constitucionalista de São Paulo. Meu avô amargou 2 anos de exílio na Argentina e meu pai sofreu muitas dificuldades para terminar seu curso de engenharia, fruto da perseguição que sofreu pelos “democratas” de serviço.

Minha tia Rosali foi presa pela polícia do Felinto Müller e maltratada em um interrogatório bem peculiar para revelar onde meu avô se escondia, antes de seguir para São Paulo. O interrogatório foi interrompido por alguns coronéis e generais que se mantinham fiéis ao governo “democrático” mas que não permitiriam que o interrogatório prosseguisse daquela forma. Você já ouviu falar da polícia secreta do Felinto Müller, do Departamento de Imprensa e Propaganda, da quadrilha do Gregório, da mulher do Prestes que foi entregue de bandeja para a Gestapo, do desaparecimento de alguns opositores, sem deixar rastros e pistas, entre otras cositas mas....?

Para todos os fins podemos colocar o patife do GV na mesma vala daqueles que se valeram de meios imorais para obter resultados.

Certo ou errado, foram os militares que garantiram a nossa independência em 1822, o trono de D. Pedro II em 1841, a proclamação e a consolidação da República, e que nos livraram de nos tornarmos uma Cuba continental que, muito possivelmente, permitiu que nós 3 estejamos vivos, hoje, trocando essas abobrinhas meio sem significado prático. Mesmo com toda a truculência propalada. O interessante é que poucos lembram dos justiçamentos feitos pelos guerreiros da liberdade, tipo Marighela, Lamarca e companhia limitada.

Os planos desses patifes de tornar o Brasil em um país comunista é bem anterior a 1964. O Marighela já se organizava para isto desde a década de 50. Existe farta documentação a respeito. É só fazer uma pesquisa na Internet. Em 1963, eu cursava o 1º ano primário em um Grupo Escolar de Telêmaco Borba, no interior do Paraná. Ouvi da minha primeira candidata a namorada, coleginha de turma e filha de um mestre eletricista da fábrica do Klabin, que o pai dela havia comentado, muito apreensivo, em casa, que os operários haviam feito uma relação com nomes de pessoas a serem executadas, assim que eles e a revolução tomassem o poder. O nome do meu pai era o segundo da lista. Isto é coisa que crianças de 7 anos precisem ouvir e falar? Cheguei em casa e, bem assustado, comentei com a minha mãe.

Ela, fingindo que estava tudo sob controle disse que isto não era nada, mas desatou a chorar. Dias antes, a nossa cozinheira que tinha um irmão operário na fábrica havia dito a mesma coisa para ela. Em 64, quando a porca torceu o rabo para o lado errado de vez, meu pai era o único chefe de seção que entrava na fábrica, dominada pelos operários. Só porque entrava armado com uma pistola .45, um revolver S&W 32 e 4 granadas de mão. Muito legal uma criança viver nesse ambiente, não é mesmo? Tudo porque havia um grupo grande de pessoas querendo combater uma “ditadura” que sequer havia se manifestado, ainda. Nosso presidente era o democrata João Goulart. Então por que toda essa confusão? Pena que isto não seja lembrado.

E por falar em Lamarca, há um episódio muito interessante desse grande humanista e democrata quando ele seu grupo foi cercado por tropas do Exército e da Polícia Militar de São Paulo na região de Itú. No meio da confusão, o grupo do Lamarca capturou um subtenente da PM de SP. Não demorou muito para o Lamarca convocar um tribunal revolucionário de exceção que o condenou o pobre coitado à morte. No episódio o Lamarca foi o promotor, o juiz e o executor. Muito humano, democrático e inspirador. Mas tudo em prol da democracia, não é verdade? A execução foi a coronhadas de fuzil e ponta de baionetas. Tiros iriam revelar a posição de seu grupo e isto eles não estavam propensos a fazer.

E por falar em ações democráticas, você sabe onde foi realizado o primeiro atentado terrorista contra um aeroporto civil na história? Foi no aeroporto Internacional dos Guararapes, no Recife, em 1969. Brasileiro é tão pacífico, não é mesmo? Essa ação virou estudo de caso das forças de segurança de Israel e faz parte do currículo de seus cursos.

Várias pessoas morreram e muitas ficaram feridas. A carnificina só não foi maior porque o vôo que levaria o Presidente da República atrasou algumas horas. Tivesse ele chegado na hora a coisa seria muito mais grave. Tudo isto organizado por pessoas que defendiam a democracia e lutavam contra a ditadura. Algumas dessas pessoas exercem funções públicas nos dias de hoje, ou exerceram até outro dia. Mas tudo em defesa da democracia cubana. Resumindo: não tem santo nesta história.

Mas como o Medici é seu "herói", permita-me expressar que eu o considero o mais digno dos presidentes que tivemos entre 1964 e 1986. Não participou de falcatruas, não tirou qualquer vantagem para si e teve de pegar duro no rabo da onça por causa do terrorismo que, de fato, era um grande problema e não era, necessariamente, uma reação à contra-revolução de 1964. Era algo que já vinha sendo planejado desde muito antes, com Francisco Julião e Miguel Arraes no Nordeste e com Luis Carlos Prestes, Marighela e Clodomiro Amazonas e seus seguidores mais para o Sul. Uma grande confusão para ninguém botar defeito.

Diga-se de passagem que ele não queria ser presidente. Com a doença do Costa e Silva vivemos um período muito ruim e pouco divulgado, com um bom risco de cisão violenta. Foi aí que apareceu o nome do Médici, que até então não havia se manifestado e havia permanecido longe de qualquer disputa. Tornou-se um nome de consenso pela sua honradez e confiança de que não tomaria medidas vingativas contra quaisquer facções que se haviam formado.

Bem, chega de abobrinhas por hoje.

* Pouco a dizer, a polêmica é antiga. Talvez o envolvimento de militares nas questões administrativas e repressivas, nas democracias mais antigas tarefas reguladas por civis e com ampla manifestação dos envolvidos, seja um complexo marco na América Latina. O caudilhismo latino, o coronelismo brasileiro, militares envolvidos em assuntos não militares, certa brutalidade incontida contra aqueles, desarmados, divergiam de suas opiniões, não deixou os militares latino-americanos como exemplo, infelizmente.

1 Anna Nery ou Ana Neri, baiana de Cachoeira é a precursora da enfermagem de ação no Brasil, principalmente em campos de batalha. Heroína, sem dúvida.

Comentários (clique para comentar)

Seja o primeiro a comentar este artigo.