Ainda o Bounty ou O império dos humores.
Desde criança, e tenho me lembrado intensamente desses tempos, observava as fortes vicissitudes nos humores das pessoas, às vezes até por questões menores ou mínimas. Um primeiro conflito de humores observei com interesse foi pela época do golpe, em 1964.
Meu pai, temeroso pela instalação do socialismo-marxismo pelas bandas de cá, conhecedor da encrenca era na então República Democrática Alemã (cuja única "democracia" era esse pomposo título), desentendia-se com minha mãe, como se fosse culpa da coitada a imigração para o Brasil 12 anos antes.
Afetado pela raiva dessa nova situação maluca, traumatizado pelos 6 longos da guerra na Europa, a esposa era o caminho do desabafo.
Por sorte, pacífica, não ligou muito para a neurose e com fascismo, a que estavam acostumados, instalado, tudo se acalmou.
Freudianamente é possível (como ele fazia a analisar as questões dramáticas da mitologia) em alguns filmes tal observar, retratados os momentos do descontrole com precisão.
O maravilhoso "Motim do Bounty" de 1962, com Trevor Howard e Marlon Brando é exemplo fascinante. Reassisti ontem. O diretor e o excelente Trevor no papel do temível e raivoso capitão Bligh, mostram a que ponto a tarefa a cumprir pode desnortear e encruar o sujeito, com estertores de violência, verbal e física.
Nesse filme ouvi pela primeira vez, menino ainda, a expressão excesso de zelo para caracterizar no serviço público o maluco neurótico a cumprir ordens cegamente, porém sem julgar ou condenar o sujeito, esprit de corps não permitindo. Bligh era sádico com seus homens, entretanto mesmo tendo morrido pessoas por castigos a bordo e ter sido uma das raras naves inglesas onde ocorreu motim, jamais foi condenado por isso, exceto pela leve reprimenda do almirantado com a interessante combinação de palavras.
Por esses tempos percebo no camarada a tocar a empresa onde ganho meus tostões, forte tendência a certo descontrole no humor. Tempos duros nas vendas, redução de jornada para caciques importante com menores vencimentos, controle mais apurado nas compras e absenteísmo médico entre os operários, técnica hoje utilizada para garantir maiores tempos com estabilidade o deixam eriçado.
Perguntei a ele se não teria vontade de explodir e mandar aquilo tudo para o diabo (ele é o único sócio ativo), pensou por momentos e disse:
"A rigor não precisaria me estabanar, irritar e argüir com quem quer que seja sobre isso. Porém o dia-a-dia em outro ritmo, a cobrar intensamente com medo de uma, digo sem vergonhas, derrota, mexe com os humores. Complica os sonhos e tira o sono. São muitos anos nisso, a tal experiência em controlar humor é talvez a que menos adquiri..."
Perda do emprego, débitos, atrasos de produção, trânsito infernal, serviço público de merda (a regra, sabemos), corrupção constante, a violência endêmica e epidêmica, casamentos desfeitos, doenças, insatisfações e todo o rol de questões cotidianas nos afetam, transformam em alguns casos os homens e mulheres em verdadeiros cães raivosos.
Somos assim.