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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Do departamento de estado, se faz favor...

Achei entre os volumes da biblioteca já anda extensa da minha esposa arquiteta e urbanista, exemplar interessante: De Comunidade a Metrópole por Richard McGee Morse, 1954, tradução da Maria Aparecida Madeira Kerberg. O autor, venerado “brasilianista”, termo ainda considero divertido, expressão colonialista ao extremo, porém tolerada, até apreciada por cá.

Sob patrocínio do departamento de estado dos EUA (o ministério do exterior deles), passou um ano nas plagas piratiningas, nos estudando. História e hábitos; discorrendo de como nos tornamos metrópole, hoje quase inabitável, de tão infernal.

Trecho achei curioso:

”São Paulo contava na época (1877) com o melhor sistema de água e esgoto do Brasil. Todavia esse milagre da ciência, ao contrário das notícias divulgadas, ainda pedia outra caixinha de Pandora a abrir. Esse confortáveis luxos, surgidos em nação agrícola, levaram ao crescimento sem ordenamento e muito rápido da cidade. E as colinas e montes que forneciam a água, assim como o rio Tietê a carregar os esgoto de 50.000 ou 100.000 pessoas, tornaram-se incapazes de números populacionais 10 ou 20 vezes maiores.”

De qualquer sorte belo livro, interessante pelo aspecto de nos colocar sob o microscópio da pesquisa antropológica e histórica. Morse era um apaixonado pela América Latina. Mas não especialmente pelo Brasil, apesar da obra sobre São Paulo. Permaneceu entre os EUA e o Haiti, onde faleceu em 2001.

Recomende-se ler, pela ótica tão distinta da do pesquisador brasileiro.

Porém, agora o chiste, (e para o inferno os críticos): em 1964 e após, meu sogro apesar de socialista convicto, foi isentado pelos milicos de óculos de sol da acusação ser agente da subversão; e manteve o cargo até o final. Com louvores, sua querida Ipiaú eleita município modelo. Adiante dedicou-se à escrita, foi secretário de reforma agrária e assuntos fundiários até 1988 da velha Bahia, advogou sempre na defesa e revelou-se um pesquisador autodidata da cultura grapiúna, publicando dicionário sobre a temática.

Pelos tempos de então, os milicos tinham com os americanos um programa imposto pelos de lá, de título: Aliança para o Progresso. E para implementar a doutrina americana, aos remotos confins latino-americanos eram enviados jovens, a ensinar, ponderar e assim brincava-se, algo mais.

Até na diminuta e isolada Ipiaú da época surgiu um camarada de cabelo escovinha, cara de militar, muito sério e com iniciantes conhecimentos da nossa língua.

E. Neto, o prefeito, desconfiou algo errado ali. Não parecia o gringo sujeito interessado em resolver problemas da miséria local ou regional, porém curioso em saber quem não estava de pleno acordo com a iniciante ditatura, discretamente. Mas houve terrível enchente, surgiram os pacotes CARE, o americano dizia ser coisa dele e o assunto foi esquecido.

Certo dia sumiu o cara.

Pois não é que em 1998 e 34 anos após, meu sogro pede eu ir com ele a Itapuã, bairro de Salvador, comprar remédios? A botica pequena, imunda, o “oficial de farmácia” meio tomadão atrás do balcão, olha para Euclides e quase em uníssono sai: “Prefeeeeeeeeeeeeitouuuu!” do gringo e um “Johnnnnny!” do brasileiro.

Lembraram dos tempos de então.

Perguntada a razão de sumir sem avisar, o yankee (assim o chamava meu sogro), apontou para uma senhora morena, baiana com certeza, no fundo da farmácia. Já um tanto madura, mas bem bonita. Provavelmente encantou-se mais pelo país o agente da Aliança para o Progresso do que o professor Morse...

E lembrou o ex-prefeito, o sujeito se dizia à época também enviado pelo departamento de estado dos EUA...

Precavidos, com certeza. Depois do fiasco na repressão ao comunismo cubano, não pouparam esforços para prevenir a coisa por cá.

Enviavam olheiros. Porém humanos, claro, sofriam paixões...

Somos assim, nós humanos.

Morse veio antes, no começo da Guerra Fria. Mas Getúlio e o fascismo brasileiros mortos, observar o que os demais vitoriosos da Segunda Guerra faziam por cá, talvez fosse também discreta tarefa... Chiste, como eu disse, somente chiste.

Interessante o livro, história na história, da época de nosso nascimento por cá, anos 1950.

Fotos, provavelmente do Arquivo do Estado à época. Rua Direita. Ao fundo a igreja do Pátio do Colégio.

R. Morse o autor.

Comentários (clique para comentar)

- 21/09/2012 (09:09)

Fascismo brasileiro morto? Será? O que vemos por aí não é um fascisminho bem atuante até? Com seus marcadores em pé, até hoje. Basta ver a Agência Nacional com seus repórteres e horário compulsório de noticiário oficial. O voto obrigatório. Exclusão de negros no acesso aos melhores cargos federais.