Portanto...
Certa leitora conheço pessoalmente, ao verificar algo de minha autoria, detonou irado comentário:
“Você acredita em tudo que escreve? Ou escreve para acreditar?”
Pensei sobre o tema (e a curiosa agressão gratuita), imaginando a dificuldade com a hipocrisia, a mentira e aquilo se escreve.
A igreja católica dentro de seu doentio autoritarismo medieval, criava registros daquilo era oficialmente declarado como mentira, inverdade (como dizem os políticos) ou fantasioso (como dizem os psicólogos). Pelo me consta, ainda é publicado o tal Index Librorum Expurgatorum, onde listam os escritos classificados pela Santa Sé, hoje amplamente ignorado.
A verdade é complexa, inadmissível em alguns casos.
Certa vez conversando com um amigo, contei-lhe a história de minha avó, mãe solteira na Alemanha de 1920, babá humilde em casa de alguém. Em algum momento em conversa entre parentes, surgiu o caso. Nenhum problema, mas uma parente minha negou, informou ser invenção e nada daquilo verdadeiro.
A negação era socialmente melhor aceitável, a origem nobre, nada de babás.
O que nunca mudou os fatos sobre a minha avó, he, he.
Ontem um colega de trabalho de muitos anos, visivelmente alterado com algo considerava grande injustiça com humilde colaborador da fábrica, em determinado momento sugeriu, com sarcasmo, que então o “humilde rapaz estaria mentindo sobre sua internação” em hospital, motivo pelo qual desejava abonar-se as faltas.
Algo como o homem humilde jamais ou pouco mentir. A santidade do menos favorecido, como é corrente mundo afora.
Infelizmente, entrevistado adiante a meu pedido pelo chefe do departamento de pessoal, o rapaz admitiu não ter sido internado por 2 dias como alegava, apenas atendido em pronto socorro por conjuntivite, corrigido adiante para difusa virose... Coisa de meia-hora. E a doença de internação nada era de mais grave.
À medida alguém ascende em escala social ou autoritária, imputa-se a criatura o fato de estar sempre mentindo. O general é rapidamente acusado de mentiroso, o cabo raramente. Ao político é quase impossível escapar, mesmo sendo de fato um não-mentiroso (um tanto raro isso), pois é praticamente parte do ofício a mentira.
O sujeito toca a empresa onde trabalho, faz questão de elaborar com antecipação planos para eventuais crises. Nosso sistema “psico-imunológico”, não permite verificarmos determinados parâmetros realistas negativos, daí taxarmos como “maluquice”. E assim surge o comentário: exagero, mentira.
Novamente a surpresa surge com real queda de vendas, não havendo mais mercado. Apontado o real, pois agora é sério e a crise está aí para esse setor, a reação estranha : a culpar o sujeito pela situação toda. Sobre a qual não tem o menor controle...
E alguns dizerem: mentiroso, dizia estava tudo bem, e nunca disse...
Concluo: escrevo o que vejo, tenho horror à censura moralista e política; e opino. Acredito naquilo escrevo, em não se tratando de premeditada fantasia ou romance (preferidos pelo público, ao real).
Anos atrás redigi um livreto, O Bizarro Cotidiano Sensual, (Littera Editores, 1995). Contos fantasiados, histórias ouvidas e mudadas por mim. Outras apenas descrição daquilo vi, como um sensual encontro entre lésbicas em restaurante paulistano
Alguns leitores comentavam, sobre as crônicas escritas, já terem passado por situação similar ao descrito. Ora...
Pois é, somos assim, mentirosos e hipócritas à medida da situação.