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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Nas entranhas de Paris...

Por Fabio Fratini Marchetti, de Paris

A realidade é nua, dura e crua. As ruas e o transporte público de Paris são como janelas abertas para observar as mazelas inflamadas da sociedade.

Vivendo o cotidiano em Paris, me deparo sempre com situações desconfortantes, daquelas que incomodam aos olhos, ouvidos e coração.

Ao entrar no metrô é comum encontrar pessoas tagarelando sozinhas, soltando frases no anonimato, falando sobre o sabor de um café, os problemas de família ou ainda sacando objetos de dentro de bolsas super lotadas, que são no mínimo inusitados, como uma cueca que o sujeito veste na cabeça. E assim essas pessoas falam, falam e falam para quem não quer ouvir. Os parisienses estão sempre muito ocupados lendo um livro, escutando música ou fingindo dormir.

Ainda no metrô, há aqueles que mendigam pièces em troca de talentos artísticos, geralmente musicais, ou apenas por misericórdia. Os músicos são de todos os tipos: bem apresentados, aos trapos, alegres, tristes, frequentemente com um acordeão ou um saxofone, violão também não é raro.

Às vezes alguém se exibe com instrumentos medievais ou orientais. O desempenho técnico nem sempre agrada, mas quase sempre surpreende. No chapéu ou no copinho arrecadam seus cachês, talvez no fim de cada estação acumulem uns 2 euros, se forem carismáticos (ou convincentes) o suficiente!

No ônibus não é diferente, talvez menos musical e mais alucinógeno. Nas poucas vezes em que me aventurei, duas cenas me chamaram a atenção: um maníaco sexual acreditando ser um grande galanteador francês acabou arrumando confusão e foi obrigado a descer; e um homem violentamente atormentado que, após discutir com todos pelo caminho, chegou ao fundo do ônibus e me deu um soco (com força!) intencionalmente gratuito no ombro antes de sentar-se ao meu lado.

O que dizer diante de uma sociedade com tantas incoerências? O bem estar social e o acúmulo de capital andam de mãos dadas nos centros urbanos. O conhecimento se compra em museus e galerias, pouquíssimos são os espaços com entrada livre. Muitas vezes com acervos pilhados nos quatro cantos do mundo, os grandes museus e galerias de Paris são lindos, porém caros!

Mas e quem não se ajusta a essa dinâmica sóciomonetária? O sistema é perverso:

“_ S’il vous plaît m’aider j’ai faim!” *

“_ Désolé...” **

É tudo muito belo, tudo muito caro, tudo muito triste... Mas há quem viva apenas no romantismo parisiense, no qual tudo é narcisicamente belo, tudo é poesia, só se vê o charme que Paris deveras tem. Eu não tenho esse privilégio, me pego a observar e a sentir para além da paisagem figurativa, reverbera em mim aquilo que pulsa e vibra nas ruas.

“Não é sinal de saúde estar bem ajustado a uma sociedade profundamente doentia.”

“Temos a arte para não morrer da verdade.”

Frases prontas, de impacto moral e talvez mesmo duvidoso. Não me agrada reproduzi-las, mas me reconforta saber que não me incomodo sozinho.

* "Por favor me ajude, estou com fome."

** "Triste"

1 Jovens parisienses divetindo-se. Porém há outras figuras, menos alegres...

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