Meu pai
Por esses dias soube foi encontrado novo conto, em manuscrito, atribuído a Anton P. Chekhov. Sua mãe, Yevgeniya, de quem dizia ter herdado a alma (e do pai o talento), em certo momento da vida passou-lhe a história; Chekhov com talento a levou ao papel, entretanto por razões não explicadas, jamais foi publicada.
A apoteose da habilidade como contador de histórias é sem dúvida sua peça dramática As três irmãs, todavia o contozinho a seguir, sem dúvida menos inspirado, nos traz também algo do grande autor russo.
Leio o escrito em alemão e me perdoem todos a péssima tradução minha, sem dúvida com muitos erros. Comuns porém, quando provenientes de material já traduzido anteriormente do original para outro idioma.
Diz a fonte ser inédito. O longo tempo decorrido desde a passagem do escritor (morto pela tuberculose em 1904), penso me exime de culpa por eventuais copirraites, portanto arrisco.
O Sérvio, meu Pai e Saudade.
Por 700 rublos, observe meu atento ouvinte, vendeu-me o sérvio para uma nobre russa. Nasceu meu filho Mihail, já livre. Sua irmã Alexandra não, preciso de dinheiro para comprá-la à nobre senhora, nossa dona. De boa alma, menos exigente. Vê em meu menino, atento na escola de Taganrog, aqui próximo ao fascinante Mar de Azov, possibilidades de ser alguém.
Talvez médico?
Progride bem o pequeno, ouro sem donos. Me contenho porém nos elogios; quero relatar de Alexandra, adorável filha. Ainda escrava, veio como presente, adereço ao pago, eu, o pai escravo.
Dedica-se a todos, até a quem a escraviza, com devoção. Deseja o bem, sem reciprocidades. Insiste na bondade, a ponto desarma as criadas Yakovlevna e Blyadischa com seu sorriso, mesmo nas adversidades.
Criaturas menos felizes, Alex, como a apelidei, as perdoa. Sabe de suas origens, escravas e libertas, com caros rublos, pelos irmãos. A voz da minha menina é a alegria pela casa, essa ainda um tanto soturna na áurea desde a morte de Selivanov, o esposo alegre e beberrão da senhora nos comprou do sérvio.
Fevereiro. Depois de 8 anos de trabalho e um empréstimo, assim como a generosidade da senhora, comprei minha liberdade. E da minha esposa e Alex. Estamos em Kriebstama, perto dos montes Liev. Alexandra casou, está em Moscou. Estudou, dedica-se muito a isso. Pensa em dar aulas.
Dezembro. Não estou bem, há semanas escondo de minha companheira Ivanova eu estar cuspindo sangue. Foi inverno rigoroso, venta muito em Liev.
Da Capital. Meu pai Anton se foi, estou agora com minha mãe em Moscou. Meu irmão Mihail permanece em Taganrog, é advogado. Casei com um tártaro, bom homem, porém não é grande amor. Sombrio, pessimista, abafa minha alegria de viver. Isso tanto encantava a meu pai, essa nossa alegria. Tenho 3 filhos, todos adultos, porém já distantes. Me faltam.
Minha pequena mãe, tão velhinha, minha mamushka, me assusta com suas demandas. Triste e trôpega. Penso o bom Deus me castiga um pouco, deixando-me com tantas pessoas amargas a cuidar, as tias de meu marido, a melancólica criada da Sibéria. Ou seria dádiva, a amenizar a tristeza dessas criaturas? Sinto saudades de meu pai, apesar de escravo parte da existência, era homem feliz, alegre. Sua batalha silenciosa para libertar-se com modestos recursos me encanta.
Abril. Estou em Taganrog, penso em voltar definitivamente, Moscou me oprime. Aqui tenho as melhores lembranças daquele, mesmo nas intempéries da vida, me animava, escravazinha ainda. Meu pai.
Saudades de meu pai.