Hackepeter
Pedro picado, seria a tradução? Não sei, mas era assim em alemão, lá em casa no bairro de Santana, denominavam. Comida menos freqüente, talvez alguma desconfiança sobre as origens das carnes se consumia à época, quando vinha de açougues imundos, embrulhada em jornal.
Para matar os eventuais germes, pois seria carne consumida crua, com seus temperos, a mãe adicionava um cálice de conhaque de alcatrão ou uísque barato. E seguia pepino em conserva picado, cebola branca idem. Meio frasquinho de alcaparras (e que a preparadora insistia em chamar de alpargatas), um pouco de quechupe, mostarda amarela tipo americana, sal, pimenta, uma gema de ovo e vigoroso trabalho com um garfo.
Lamentando ela por anos, porém, não ser o original Hackepeter, pois esse feito com carne de porco. Todavia no receio de vir infectada com algo danoso, migraria ao cérebro, não se usava pelos imigrantes.
Servido com pão preto e manteiga, mais um tantinho de mostarda escura por cima, ficou o marcante sabor da infância.
Anos após, em certa festa de casamento pelos lados de Kettwig, na terra dos pais, um amigo estudante e eu, frustrados com a péssima e pouca comida servida, verificamos uma bandeja com pãezinhos e o tal Hackepeter por cima. Que guardada em lugar alto ao lado de um pequeno palco, seria o premio tardio para a péssima banda de músicos com suas canções teutônicas, a (des)animar o casório. Comemos todos, bons.
Quase fomos expulsos, quando perceberam nós dois tinhamos furtado o acepipe. Jamais esquecerei o gosto da fresca e talvez mais segura carne de porco de lá, uma delícia. E singularmente subtraída, melhor ainda.
De volta à terrinha e à crescente sofisticação na culinária paulistana, a imitar e macaquear tudo que vem de fora, continuo minha procura incessante por um bom tartare, coisa complexa porém.
Esquecendo da maluca e fantasiosa história de ser receita original de cavaleiros tártaros deixavam mantas de carne fresca por baixo de suas selas para, temperadas com o suor dos animais, serem comidas ao fim do dia, pesquisei um pouco.
O quechupe era suspeito...
E não é que um cozinheiro imigrante na França, da Tartária, instado a preparar um bom hamburguer para um gringo com saudades, resolveu dar certa incrementada na receita original, sugerida pelo americano? E seus colegas, lá pelos anos 1920, provaram da massa crua para as rodelas a serem fritas; e acharam maravilhosa. Após o árduo trabalho na cozinha, sempre pediam dali em diante o tártaro preparar seu quitute, cru. E comiam com batatas fritas. Um pouco de pão e vinho.
Com o tempo espalhou-se a receita pela Paris de então, chegou em toda Europa (talvez na Alemanha como Hackepeter na versão suína) o singular bife tártaro, como é conhecido até hoje.
Hoje fiz o meu, receita com alcatra moída, molho ingles, quechupe, mostarda americana e outra à antiga, a francesa de bolinhas. Alcaparras, cebola picada, uísque, pimenta do reino e batatas fritas a acompanhar. Uns copos de rosé vagabundo bem gelado a enganar; e sonhar com pequeno boteco parisiense, gostosas francesas desfilando com suas baguetes por baixo dos braços e eu, como sempre, apenas observando....
Coisas da meia idade e adiante, somos assim.