Ato extremo
Dos casais unidos, por longo ou algum tempo, uma partida conjunta, para a morte voluntária, pode ser entendida como ato de extremo amor; ou ato extremo de amor. Não sei, todos as ações a envolverem os sentimentos exacerbados me assustam. Amor, violência.
Caminham juntos.
Há algum tempo observei tal questão, onde senhora conhecida embebedou-se deste extremo malvado elixir, na retomada de algo distante perdido no tempo infantil, que ressurgia. Arrebatador no retorno, a detonar loucuras. Infernação da alma, desconcertante.
Não sei como anda, entretanto quando leio aqui Carta a D., de André Gorz, penso nessas questões do espírito. E, novamente, amor, violência e loucura não são mutuamente exclusivos eventos, sentimentos ou momentos.
Um belo livro, edição ,Cosacnaify, 2008, tradução do Celso Azzan Jr. O suicídio do casal em 2007 chocou a comunidade pensadora, da qual Gorz era entoado líder entre líderes. Intelectual, filósofo, teórico das questões dos humanos e sua convivência, ecologista, tradutor e escritor de brilhos. A carta à sua Dorine, livro por fim, de tão elaborada, arrebata o leitor. Lirismo, sinceridade, trechos de umedecer os olhos do mais vetusto e insensível velhaco. Escreve ele “nossa história começou maravilhosamente, quase um amor à primeira vista”, segue encantado com a moça e seu britanismo, seu primeiro enlace carnal: “eu despi o seu corpo com cautela... a Vênus de Milo tornada carne.” Seu apoio, a jovem já sua esposa “Sua vida é escrever; então escreva” detonava, incentivando-o. Relata sobre a ida ao campo e o enxotamento pela construção de central nuclear próxima. Planta árvores. Duzentas. Preocupa-se com a doença da esposa, aracnoidite, inflamação de tecido da meninge, em forma de teia, aprendi agora. Em certo dia de 2007, cansados de viver, incapazes da possível solidão e com sofrimentos físicos insolúveis, escolhem a morte conjunta, o suicídio a dois. Comovente, mas cruel. A pior forma da violência, imagino, a contra si mesmo. Porém assunto de divagações infindáveis a tocar naquilo temos de mais valioso, a vida e suas circunstâncias. Alguns cansam como tão bem retratado em filmes sobre tetraplégicos em suas camas perpétuas a implorar o fim; outros têm as mentes perturbadas, pelo passado e vivido, a ponto de cometer o ato extremo; por amor até. Por aqui houve similar caso: o suicídio dos Zweig, penso em Nova Friburgo. O escritor e a esposa procuraram em seu Freitod (curioso o termo em alemão, talvez como “libertação pela morte”) desvincularem-se da carga de ter se “evadido” do sofrimento coletivo dos judeus na Europa dos 30/40, imigrando ao Brasil. Imaginada culpa pelo não-sofrer. Como jovens que se suicidaram por não poder ir à guerra. Ou por ser-lhes proibida a mini-saia... Somos assim, às vezes extremos. Ajude o Greenpeace a ajudar a natureza. Contribua adquirindo algo na sua loja virtual em Espaço Greenpeace. Acredite, é por uma boa causa. Das melhores.