Foto do Hermógenes

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

O difícil enterro

O escrever sobre o assunto já deixa clara a complexidade da questão. Enterrar o pai é algo requer em muitos casos anos e anos. Alguns jamais o enterram.

Não escrevo do simples ato funerário.

Não.

O real enterrar de um ente importante como o próprio pai, penso ser tão penoso, a ponto alguns de fato não levarem adiante.

Mantêm-no vivo. Sempre.

Entendamos, o luto é necessário, por forma instintiva. É péssimo sentimento, nos maltrata terrivelmente, evitamos ao máximo. Até a sua possível proximidade, como visitar o moribundo, nos traz imenso desconforto.

Por isso fazemos de tudo a manter os próximos queridos vivos, com esforços às vezes de singularidade extrema, como doações de órgãos, endividamentos para tratamentos duvidosos e assim por diante.

A evitar o terrível, assustador e impensável luto.

Porém ocorrido o trágico, seria, penso, saudável negociar, usando esse termo da moda, o tal sentimento.

A não estender a ponto nos auto-infligirmos continuado sofrimento.

Certo dia o pai falecido deve ir do presente imaginário (ah, ele gostaria disso; hm, será que ele aprovaria?) ao seu lugar como, cruel dizer, morto, passado, ex.

Passei pela experiência de certo fim ultra-traumático, para mim, de luto. Assumindo o que fazia o falecido, profissionalmente, assim como certa preocupação com sua esposa (minha mãe) e a filha (minha irmã), até a confundir a elas próprias. A mantê-lo vivo, interpretando como personagem o morto.

Em determinado momento houve necessidade de Ctrl-Alt-Del, pródiga natureza a ajudar.

Reiniciar o processamento todo. E colocar-me como filho sou, irmão e pai, mas só dos meus filhos.

E finalmente saber em determinadas circunstâncias, o imaginário perfeito herói, corretíssimo oficial guerreiro, engenheiro, obediente e dedicado empregado depois adorável patrão, cometia seus erros, alguns graves.

Era neurótico como somos todos: impaciente, pai desinteressado, marido relapso. Enfim, aquilo 99% dos homens e mulheres do planeta são.

Surgiu-me como homem de fato era. Foi um alívio.

É boa lembrança em alguns casos, péssima em outros.

Está enterrado, é o ciclo.

A questão paterna é tão bizarra nos humanos, se me permitem a comparação, no momento surgem super-pais, homens hiperegocêntricos chamarem a si a tutela até de populações inteiras, transmitindo aos milhares de indivíduos a possibilidade de mágica proteção paterna, em alguns casos não há como enterrar.

Vejam o caso extremo do paizão político, Lenin, há 90 anos embalsamado em morgue envidraçada, cosmética à toda.

Está na hora de ir para a cova.

Mas não se encerra o luto coletivo, o defunto Wladimir Ylliitsch até abençoava os recém-casados.

Vai entender, mas somos assim.

A confusão mantida, o "freak show" funerário na Rússia. Evidentemente a maioria dos visitantes comenta: "Parece vivo!". É o desejo, mas não é a realidade. E precisamos, também, da realidade.

Comentários (clique para comentar)

- 04/06/2013 (21:06)

Acho que ridicularizar não deve ser um meio de 'prevalecer-se' numa discussão.

- 04/06/2013 (21:06)

http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=estripulia

Hermógenes - 15/09/2011 (12:09)

A leitura não é obrigatória, mas agradeço tê-lo feito, apesar da pinçada arrogante. De qualquer forma não esquecermos do bom escrever, tão importante quanto o bom ler. A iniciar com as "estripulias"... estrepolias, se me permite.

- 06/09/2011 (21:09)

Um texto mais objetivo e com poucas estripulias seria menos cansativo de lêr. Demasia de parágrafos para pouco assunto.