Cudocismo
Me acusam de “cudocismo”, essa palavra de complexa origem (teria algo a ver com o sweet ass dos gringos, a descrever as gostosas e seus doces traseiros, porém fresquíssimas e arrogantes modelos de moda dos anos 1950? Não sei.).
Provavelmente com absoluta certeza, pois sabemos, pelo lado masculino, há ocasiões em que a união de dois seres sempre resulta em um ter toda a razão e o outro ser apenas o marido.
Entretanto o que seria “cudocismo”, ou mais tradicional, “fazer cu doce”?
Na minha paupérrima compreensão, longe de trejeitos analíticos e considerações psicossociais, imagino mostrar-se reticente a determinada situação não agradável, da qual deseja-se afastar, evitar, dificultando e mostrando um lado, digamos menos autêntico.
Porém com isso, a quem insiste ou assedia, muito irritar.
Exemplo boçal (sou bom nesses) seria o discurso de fiscais municipais, estaduais e federais sobre a importância da função, de como “gostam” de seus trabalhos e por fim, após as vezes até arroubos de patriótico nacionalismo, pedirem a caixinha. O preâmbulo descrito é o famoso “cu doce”, procurando inconscientemente colocar-se como paladino, atenuando sua corrupção.
Um colega aqui já identifica de antemão, rindo que, quanto mais “cu doce” maior a mordida.
No meu caso algo menos corrupto, espero. Não sou exatamente ultra-antropofóbico, mas às vezes gosto de algum conforto pela ausência, longe de seres humanos aos quais estou menos ligado.
E tento me organizar para isso, a cultuar a neurose, fonte de nosso gozo, como dizem. Por esse Carnaval e aniversário octogenário de alguém próximo pensei em uma solitária casinha na Bahia, da patroa, e alguns dias de paz. Porém informou-se que a cozinha de apoio e uma gostosa varanda não estariam disponíveis, casa emprestada.
A quem evidentemente não quero atrapalhar e nem dividir os dias de pausa, apesar de insistir-se serem pessoas boníssimas, amigueiras, como todos na Bahia, etc. etc..
Pensei em cancelar, e veio a acusação de “cu doce”.
Talvez não vá mesmo, se o renome já é péssimo mesmo, não há do que se inibir.
"Ist der Ruf erst ruiniert
Lebt es sich fast ungeniert...”
Wilhelm Busch.*
Desde meus tempos de menino, em muitos momentos não soube lidar com determinadas situações sociais impostas de supetão, bicho-do-mato enfim. Esse rótulo tão corrente a nós brasileiros, a definir pejorativamente a nós doentes sociais, os antropofóbicos.
Em anos de análise procurei uma ou outra explicação, a resumir como algo parte de processo educativo inconsciente, pois os pais por guerra e origem sempre alertavam: sozinho a segurança pode ser maior, medo que tinham de delações, traições ou até arriscar a própria integridade por alguém em situação desfavorável pelo conflito, como doente, ferido, refugiado, incapaz. Na guerra o outro é o inimigo em muitas situações. Na paz também, basta ver a onda de assaltos aqui na Sumpa precarnavalesca.
A tal guerra se foi, nasci anos após, mas as marcas são indeléveis em nós filhos daquela geração, tão sofrida.
Cu doce antropofóbico é uma delas, somos assim.
* Com o renome já arruinado, vive-se melhor, desenvergonhado..."