30 de batente
Trinta anos, hoje me dei conta. Em fevereiro de 1978, meu terceiro ano na faculdade, o velho detonou: “Está na hora de trabalhar!”. Obediente, fui; regularmente dalí em diante. De manhã ao trabalho e à tarde à escola.
Parece foi ontem?
Uma ova, faz muito tempo, alguns detalhes se perdem; não me lembro, mesmo, de uns tantos.
Antes, moleque, já era escalado para uns bicos: ir ao banco, ir à copiadora, recortar bordas de desenhos, atualizar fichas de clientes, levar mecânicos para consertos das máquinas aqui feitas, ajudar.
Detalhe, sempre à féria zero. Estagiário e filho nada recebia. Quando, na regularidade, alguém ousou dizer ao chefe eu merecer algo, detonou:
“Absurdo, deveria trazer dinheiro e nos dar de bom grado, pois está aprendendo!”
Germanices do homem, suave com os colegas, menos um tantinho com os parentes próximos.
Ordenou-me, filho eu ser e sempre, repito, obediente, trabalhar na produção para aprender o duro dia-a-dia. Ajudante geral, escalado a ser tutelado por sujeito alto, magro, ex-cobrador de ônibus de nome Osório. Este, irritado com a incumbência de ensinar, era de humor teratológico. Nos entendemos; e pela primeira vez na vida tive calos na mão; e dor nos joelhos, ao ficar em pé o dia inteiro, batendo chapas, carregando materiais, dando pontos de solda, quase a cegar certo dia, pelo excesso no treino. Por quase um ano. Depois pedi alvará de soltura, não era minha idéia ficar por lá. 1888 já era.
Decidi até, firme, jamais trabalhar com o homem, por ser seu parente e isto não dar certo; raramente apenas, apesar de, analistas o expliquem, ter escolhido a mesma profissão.
A exigência majorada em relação a mim, o filho, e certa verguenza quando não acertava de pronto, me deixavam em posição esdrúxula e ele descontente.
Iria embora, para outro canto, fazer minha vida. Bastaria formar; mas alí, aqui, não.
O destino apresentou outra conta: o homem faleceu e de maneira estranha os olhares se viraram para mim, o filho. “Vai ou não?” Alguns bem duros até, como certo sujeito da fábrica, nem frio o defunto, já me cobrava decisões sobre seu “futuro” e o leitinho de seus meninos, com minha responsabilidade; todos em média mais velhos que eu, situação besta. Outros me xingaram, como o representante carioca que tínhamos. Perguntou pelo homem, relatei havia morrido. Chamou-me de moleque abestalhado, com isto não se brincava... Insisti no relato; hoje somos amigos.
Nem havia formado, como zumbi do Haiti fui tocando: o herdado e a faculdade. Dizem deu certo; até hoje eu não me convenci... (mamãe também, ainda a lamentar a falta dos bons tempos de antes dos meus). Pelo menos me formei, apesar dos recorrentes pesadelos tal não ter ocorrido.
De qualquer sorte, 9.000 equipamentos adiante com outros 70.000 acionamentos percebo são, de fato, 30 anos. Tempo para dedéu.
Já viram filme de 30 anos atrás? É quase risível: as roupas, os cabelos, as falas.
Não posso ver como filme, porém similar. Lembro das enormes estrumadas aprontadas por inexperiência, desconhecimento e certa propensão ao risco na área da construção de máquinas (sim, sim, sou engenheiro, não me envergonho.).
Das porradas levadas por inflação galopante, sócios alemães a abandonarem o barco, planos Cruzado, Verão, Collor e Real (esqueci algum?) e estagnação econômica lembro bem.
Dos muitos amigos feitos também. Da solidariedade, da confiança e dos grandes momentos onde alguém dignava comentar que-troço-bem-construído. Raro, nós humanos preferimos a crítica avassaladora ao elogio simples.
Somos assim.