Elucubrações russas
Por Ludwig von Albarus, de São Paulo
Foi na Rússia. Mais propriamente na cidade de Uglich. Cidadela componente do nosso trajeto Moscou - São Petersburgo.
A cidade, extremamente bucólica, não destoando de toda a paisagem russa. Chamavam a atenção as torres, a limpeza e a inacreditável dimensão da feirinha ao ar livre, na ruazinha que ia do embarcadouro até a inefável igrejinha no centro da praça.
Vendia-se de tudo.
Desde cuecas com o emblema do partido comunista, até simulacros de armas medievais.
Há muito que eu havia enfiado na cabeça que ia comprar um samovar antigo, havia exemplares fantásticos, baratíssimos. Entretanto, enormes e difíceis de portar. Além do mais, soubemos por alto que estava em vigor uma lei proibindo a saída do país de peças consideradas históricas. Daria cadeia.
E como cadeia na Rússia não seria das coisas mais agradáveis do mundo, desisti do célebre samovar e concentrei minha atenção em bonequinhas, lenços coloridos, chapéus de pêlo de urso e entre milhares de bugigangas, num lindíssimo ícone, retratando a figura do Senhor revestida de metal, era o que eles usavam nas igrejas, pois naquela vertente cristã, (os russos professam a religião ortodoxa) é proibido o uso de estátuas.
Gamei pelo ícone.
Comprei.
O Sabiá, nosso filho que nos acompanhava, enfiou o tal ícone nas profundezas de sua mochila, juntamente com o sem-número de quinquilharias ali compradas.
Já ouviram falar em bomba de efeito retardado? Pois é.
Foi o efeito que causou na alfândega o célebre ícone na hora de embarcarmos para Roma, na checagem eletrônica da bagagem (severíssima).
E não é que as autoridades alfandegárias russas invocaram com o tal do ícone! O tamanho do galho que deu a partir desse fato não podem imaginar.
O militar operador da alfândega, chamou outro militar. E este chamou outro.
Veio uma mulher cheia de insígnias, que por sua vez chamou um cara com ares de chefão. Isso tudo, a turma sem balbuciar uma sílaba em russo. E eles falando em russo ao mesmo tempo. Eu, apesar de professor de língua russa, estava literalmente preso na sala contígua, que quando vi aquela confusão com a minha turma, dei a volta para chegar ao local, entrei por porta errada e dei com uma moça que fora despida por alguma suspeita.
Fomos salvos pela funcionária da Alitalia que berrou alto e bom som: - estamos atrasados, vamos embarcar ! (É claro que falou em russo, também.)
As autoridades russas desistiram de levar avante o episódio, devolveram o ícone e....fim do assunto, com a recomendação feroz: da próxima vez, tomem muito cuidado...
Que sufoco....