Live together, die alone*
Por Luciana Rabelo, jornalista
Um dia ouvi em Lost (melhor série de todos os tempos, BTW) a máxima que, na minha opinião, resume muito bem o credo da vida que levamos ontem, hoje e amanhã: Live together, die alone.*
A cada dia concluo mais que somos de fato todos attention whores** e precisamos de companhia para aplacar essa solidão inerente que nos consome, pois sabemos, mesmo inconscientemente, que uma coisa é certa e, por definição, solitária: a morte. O resto do tempo que sobra, gastamos tentando perseguir aquele algo nos dê a sensação de que alguma coisa nessa vida faz sentido e todo o nosso trabalho, nossas dores e queixas e anseios cotidianos têm um propósito mágico. Mas é feio admitir queremos amar e ser amados e termospavor de ficar sós, e criamos um sem fim de escudos para disfarçarmos nosso tão natural medo da solidão.
Algumas mulheres chamam erroneamente de feminismo a samantização do comportamento sexual e amoroso. E digo em nome das minhas colegas antepassadas, que se reviram em seus caixões toda vez seu santo movimento é invocado em vão, que alienação sexual e vulgaridade não são prova da igualdade entre os sexos. Não quando usamos o sexo para nos afirmarmos como fêmeas independentes perante o espelho ou como moeda de revide. Não somos nós que temos que virar predadoras sexuais inescrupulosas para ficarmos em pé de igualdade com eles, mas eles (em especial os homens latinos) que devem aprender que diversidade sexual exacerbada e a total falta de apego não são sinais de virilidade, mas sim um sinal alarmante de regressão emocional não condizente com a nossa evolução em tantos outros aspectos.
Ao invés da nossa revolução sexual ter servido para que as mulheres parassem de ser objetizadas, parece que ela serviu para que obtivéssemos carta branca a objetizarmos também. E assim, vivemos todos infelizes para sempre no mundo do vazio, onde todos fingimos ser auto-suficientes e muito pouco preocupados com quem está à nossa volta, num mundo onde é socialmente aceitável ferrar os outros antes que eles te ferrem. É a paranóia institucionalizada coletiva do mundo contemporâneo, que tem como panacéia a indiferença completa ao outro, pois somos todos uns filhos-da-puta irremediáveis, ou pelo menos é assim que nos vemos uns aos outros.
O que vejo ao meu redor é uma população de corações partidos que de cansaço tornaram o amor uma commodity*** pragmática, onde o pragmatismo simplesmente não se aplica e é justamente por isso que tudo vêm se tornando tão artificial e desprovido de paixão, de ardência. As pessoas estão transformando suas vidas amorosas numa eterna micareta entorpecida e blasé. Até o dia em que elas resolvem crescer e prestar contas à sociedade, fato cômico e contraditório num mundo tão aberto e liberal. Somos todos estimulados à promiscuidade de sentimentos por todos os meios que nos cercam e, no entanto, ainda somos regidos por dogmas do moralismo burguês do século XVII. E há quem bata no peito e diga:
“Antes divorciada do que nunca casada”.
E crendo nisso se mutilam psicologicamente em relações falidas from the get-go****, para não se sentirem no exílio social. Quanta inversão de valores, quanta paranóia e, pior, QUANTA PERDA DE TEMPO!!!
Parece que paira no ar uma pressão ambígua anômala para que as pessoas se dividam entre dois guetos que se odeiam, simplesmente por se invejarem mortalmente: o gueto dos socialmente defuntos (casados e afins) e o gueto dos moralmente degenerados (solteiros), os casados os invejam por estarem do lado de fora da diversão, mas têm como conforto a sensação do dever social cumprido, o que lhes proporciona uma boa noite de sono ao lado daquele corpo odioso que ronca ao seu lado. Os solteiros os odeiam porque queriam estar em um relacionamento, mas nunca admitirão nem para o próprio espelho que têm medo de morrerem sós e fazem todo dia o exercício de auto-convencimento de que estão sozinhos por opção. Rá, as mentiras que dizemos a nós mesmos são incríveis!!! (Para não ser chamada de absolutamente cética e amarga, admito que existe o 3º gueto, os dos bem-resolvidos e felizes, solteiros ou casados, mas esses seres ajustados não têm o que fazer no meu divã de botequim virtual, anyways*****.)
Penso que prefiro ser uma trouxa que vive, a ser uma reclusa sentimental. Prefiro estar só do que mal-acompanhada, mas não levanto bandeiras à esbórnia. Sim, ela é muito divertida, mas a melhor de todas não substitui uma pipoca e um DVD com alguém que a gente realmente ame, mas que a gente ame MESMO e não porque já passou dos 30 e está começando a pegar mal aparecer nas festas do escritório sozinha.
Me entristece essa cultura machista que nos cerca e o disparate de pesos e medidas que nos rege, mas faço votos de que ocorra eventualmente uma descafajestização de homens e mulheres e que pouco a pouco aprendamos a deixar as armaduras de lado dando uma chance ao lado bom da vida, ao viver junto, para quando morrermos sozinhos nosso último flash ****** seja o de uma vida bem-acompanhada e feliz.
* Vivam juntos, morram sós.
**prostituindo-se à procura de atenção
*** mercadoria negociável abertamente
**** de rápido consumo
***** de qualquer modo
****** relâmpago metafórico