Que bosta
Penso que Ivan Lessa em alguma entrevista no passado teceu o comentário ser nossa imprensa tropicana um tanto quanto fraca. Discutível o tema, a observar tablóides europeus e gringos serem, como em tantas coisas, quem dá o tom.
Populares, “causando”, para o interessado leitor passar pela zoada completa dos anúncios a procurar os assuntos grotescos tanto nos atraem, a razão fica para os psicanalistas informarem.
Não seria diferente aqui, nesse quintal mal-cuidado da Europa somos, essas Américas ainda sem fortes identidades.
Mas ao referir-me a estrume bovino com o sincero título, lembrei-me de utilizar após ler a Folha de São Paulo deste domingo, 5 de dezembro.
Com a péssima reportagem “ A separação ”. Uma espécie de pornografia, não pelo conteúdo, mas pelo estropiar da intimidade, a uma mãe permitir reportar-se o tema, com certo bobo sensacionalismo. A separação de crianças gêmeas siamesas, o horror a ocorrer em 1 nascimento a cada 100.000.
Coisa circense, com toques de estupidez religiosa e medicina duvidosa.
Explico: Relatar como “sucesso” as pobres meninas separadas terem cada uma perna amputada, viver por anos com os resultados da colostomia necessária, dores e todas as conseqüências, incluindo a apresentação pelo jornal de sua miséria biológica.
”Ah, mas deixava coladas, sofrendo?”
Não, o jornal informa que a mãe, provavelmente um tanto simples e desconhecendo em seus conceitos o terrível sofrimento por que passam gêmeos siameses, em vista das costumeiras bobagens religiosas incutidas, declinou da humaníssima proposta de seu médico, recomendando após a verificação os fetos serem aberração, o aborto.
Católica, como se declarou, jamais abortaria.
Mas seu catolicismo mal-transmitido não impediu de escancarar o sofrimento das pequenas criaturas, talvez em assédio jornalístico de nível discutível com a horrível reportagem, circense.
Usando de anglicismo tão em voga: Freak show.
Passou-me por instante, alertar-se minha crítica ser endosso à solução incompatível moralmente, suprimir-se o que fisicamente muito especial, em seu primeiro estágio de formação.
Porém no momento fetos inconscientes podem ser analisados em sua integridade por médicos preocupados com a gravidade, cabe recomendar-se informar a futuros pais do imenso sofrimento destes, como xifópagos graves e anacéfalos.
E aos jornais não explorar a tristonha intimidade de quem opta deixar a vida seguir em seus piores aspectos, a crueldade biológica, sem interferir por primitivas razões religiosas.