Corrupção
Onde trabalho, tenho algum freqüente contato com o problema. Hoje a rigor nem considero um problema de ordem moral isolado, mas sim apenas mais uma forma criminosa com a qual convivemos e até negociamos, em vista de não haver alternativas plausíveis, nem interesse, para combater-se o desagradável hábito. Somos todos mais ou menos corruptos e corruptores. Somos assim.
Os campeões da renitente corrupção miúda à média contra o meio empresarial brasileiro de menor ou pequeno porte são evidentemente os fiscais de trabalho. Dos talvez 20 ou 25 que passaram por aqui nos últimos 30 anos, com duas exceções, todos os demais insinuaram-se, a pedir um “agrado” e fechar os olhos para questões reputadas "erradas", da posição das luminárias à cor da faixa pintada na fábrica, separando seções (amarela, branca, há dúvidas...).
Com ameaças de todas espécies e, tendo endurecido em dois casos, multas monstruosas por assuntos ínfimos. E o podre poder judiciário nessa área sempre ao lado dos corruptos; os processos não andam ou perde-se em todas instâncias com as sentenças mais absurdas possíveis.
Hoje não se desperdiça tempo, pergunta-se na lata quanto é a dentada e a vida segue com os bandidos na cola. No momento me encontro em forte empreitada a negociar o preço de mais um exigente engenheiro corrupto na administração pública, a resolver a licença de habitabilidade do nosso prédio, pois apesar de toda a documentação correta entrega, como admite, exige-se um "bakshish", na linguagem original dos antepassados de seu chefe...
Independe da matiz, da cor, da ideologia: a corrupção é universal. Seja no âmago da China, ao congresso dos EUA, do vereador de Reikyjavik ao fiscal das nossas ingloriosas DRTs. Pessoalmente posso me "vangloriar" de ter notado a ganância de fiscais de muitos departamentos, incluindo a poderosa receita, policiais rodoviários federais e estaduais (abrem o jogo na segunda frase), fiscais municipais e estaduais (esse um memorável caso curioso, a perguntar se estávamos "dando de coração..."). Por segurança futura anotam-se os nomes e guarda-se um ou outro papel esquecido, nunca se sabe. Mas o esquema é interessante, jamais retornam ao local do crime.
Pode haver nuâncias e graus de dificuldade, negações fortíssimas, entretanto sempre o corrupto determina o jogo. A amarrar suas vítimas de forma implacável, com o apoio da segurança e estabilidade nos cargos, com total indiferença ao que se passa por quem lá o colocou.
Muitas vezes prêmio, por ajuda em campanha, por exemplo.
As operações de abafamento posteriores são eficientes e, no fim da soma, chega-se à conclusão que excetuando-se um outro infeliz na China é fuzilado exemplarmente por ter sido pego (normalmente por não ter distribuído a féria com chefes), no resto do planeta os corruptos vão muito longe.
Lembro de um príncipe alemão da "nobreza incorruptível", Bernhard Leopold Friedrich Eberhard Julius Kurt Karl Gottfried Peter Príncipe para a Lippe-Biesterfeld, casado com a rainha Juliana da Holanda. Recebeu bom dinheiro ( e um apartamento em Paris para sua amante Helene Grinda ) para ajudar empresa americana de aviões vender seus caças. Era claro o que havia feito, mas a nobreza abafou, com estilo. Ninguém saiu chamuscado.
Por aqui somos grandes campeões, nossa corrupção é endêmica, tradicional e antiquíssima. Do pilantra que cuida do portão de um parque e recebe o agrado do pipoqueiro ao ministro(a) de estado, até do governo de quem se autodenominou o mais ético dos éticos que por aqui passou. A corrupção permanece ativíssima por aqui, mesmo sem príncipes...
Uma marca do corrupto é sua aparente dureza, faz parte do jogo.
Para quem desejar observar uma interpretação formidável disso, sugiro a cena filmada entre a atriz interpretando Sophie Scholl e o agente da Gestapo em a “Rosa Branca”, o semi-documentário sobre esse movimento de resistência ao nazismo.
O inspetor discursa sobre seu engajamento com a causa nazista, fala de sua origem humilde, sua devoção ao trabalho. E, tentando mover a jovem a uma delação, oferece um café.
Essa observa e comenta: “Sim, mas isso é café de verdade, café de grãos...”.
Naquela época café verdadeiro era algo inimaginável pela Alemanha em guerra com o Brasil, bebia-se cevada torrada, apelidada Mucke-Fuck (não sei o que significa...). O duro mas corrupto homem da Gestapo porém tinha seu estoque...
A embaixada sueca literalmente “comprava” judeus das mãos da Gestapo; contra café, manteiga enlatada, chocolates e imaginem: dólares americanos...