A diversão do espinafre
Hoje me alegrei com grande aprendizado, pois apesar de todas as formas que procuramos dar, de boa convivência e paciência com quem conosco convive a evitar o maldoso espinafre, aqui sem ser verdura, compreenda-se, no fundo somos feitos por moldes de mesmos estampos.
Quando rotineiramente fui à morada almoçar, nada havia pronto , 12:40. O culpado, o outro, o ausente, J., por não ter "trazido o feijão em tempo". Riam-se duas, H. e E., achando aquilo tão divertido, principalmente da minha cara de decepção. Sabendo ser um prato predileto.
Nenhum respeito pelo horário, por quem viria comer: as convivas da dona da casa; somente a alegria de culpar o ausente, que, sabe-se lá por quais razões, também não cumpriu o ajustado, dizendo-se aparentemente ocupado com outras questões, ordens superiores. Serão todos defendidos e desculpados, noblesse oblige e political correctness.
Nenhum ímpeto para, de iniciativa própria, e serem reembolsadas, por 3,2 reais, no supermercado a 100 metros, comprar o tal feijão e ajustar o horário; atender à modesta solicitação da sempre correta e compreensiva dona daquela boa casa para o repasto com as suas convivas. Somente a pérfida e humaníssima risadinha, da maldade feita com o ausente; e maldade deste feita com as presentes. Todos vitoriosos, inocentes maldosos, se isto existe.
Lá como cá, cá como lá.
Seja a cozinheira ou o ministro do tribunal. Seja gerente ou até um alegre inocente porteiro. O determinante não é a comunhão e comunidade, o serviço bem-feito: é o baixinho ato de espinafrar o outro, degustando, sem medir a irritação do não-participante. Porém a estranhar-se que desta vez não reagiu, pela primeira vez. Nada disse o H., normalmente irritadiço, pois aprendeu, depois de décadas, uma grande lição.
E saiu contente. Ainda papou a salada insôssa e foi-se, rindo. Enquanto isto o feijão tardio, providenciado enfim, apitava seus vapores pela chaminé da panela de pressão, a amolecer sua dura alma, como de muitos.
Somos realmente assim, sem distinção de classes, matizes, cores, formas, desejos, educação ou credo. Paisano ou rei. Sempre essencialmente um tantinho mais, um tantinho menos, danados, egoístas e espicaçantes. A fazer nosso o importante tempo do outro, o que nem o estúpido relógio faz.
É da nossa natureza, diria o escorpião. Agora também sei.